Roberto Gamito
30.11.20
Não sou grande entusiasta nem da autenticidade nem da boa educação.
A autenticidade tão em voga nas redes sociais é um embuste grandiloquente por duas razões. É revelador da mente ruidosa e acriançada do colectivo. O adulto de hoje vê-se como uma criança pequena isenta de defeitos, julga, no alto da sua inocência em segunda mão, que as suas palavras merecem ser ouvidas. Só um narcisista olímpico pode sonhar com esse mundo em que todos os seus pensamentos e emoções devem ser verbalizados o quanto antes, uma vez que, pelo menos na cabeça dele, há um público faminto por ouvi-las.
Porém o Narciso está longe de ser autêntico. O que sai dos seus lábios recauchutados com botox é uma versão altamente editada. Por outras palavras, uma imagem que o favoreça por um lado, ou uma imagem susceptível de desfavorecer os demais, por outro. O outro é para quem são direccionadas as críticas, as comparações insultuosas de catraio, em suma, o ridículo pouco filtrado de uma mente que gravita em torno do umbigo.
Jean-Jacques Rousseau, um tipo bastante influente na sua altura, redefiniu, no início do século XVIII, a boa educação em termos de falta de autenticidade, servilismo e engano. Grosso modo, já todos nos deparamos com pessoas impressionantemente simpáticas que, em havendo tempo para as conhecer melhor, lhes cai a máscara ao mínimo desaguisado, mostrando de pronto que fomos alvo de uma burla.
Para Rousseau, o crucial era nunca escondermos ou moderarmos as emoções. Parece-me impraticável nos dias que correm. Até mesmo nos artistas. Fugir ao espartilho das convenções tem um preço. Hoje como nunca há censores que examinam de alto a baixo o nosso discurso de molde a verificar se o espartilho foi ou não afrouxado.
Do outro lado da barricada, a pessoa educada, como escreveu Alain de Botton, actua tendo em conta a grave suspeita que tem em relação a si mesma e aos seus impulsos. Em parlapié poético, a pessoa educada é uma fera enjaulada na etiqueta. O que pensa, sente e quer não merece ser ouvido ou — pior— pode trazer-lhe problemas.
Continuando com Botton, a pessoa bem-educada é pessimista em relação à sua própria natureza. Quem diria que encontraríamos a metrópole do pessimismo debaixo da capa da boa educação? A autenticidade narcisística e a boa-educação são, cada uma à sua maneira, uma farsa. O Homem, aquele cujo discurso nunca ouvimos, é quem se acoita sob essas máscaras. A empatia que hoje pulula nas redes sociais resulta do cruzamento entre essas duas máscaras. Mas isso ficará para uma próxima crónica.