Roberto Gamito
28.02.21
Tendo-se extraviado por motivos que não ousamos qualificar de estapafúrdios, para que não se diga que nos encontramos a mando de interesses maldosos, Inácio, um homem que noutros séculos arrecadaria sem problemas nem oposição o epíteto de palerma, era um indivíduo que levava ao êxtase massas consideráveis de pessoas quando, lastimosamente, dava largas à sua veia geradora de teorias de conspiração.
Na volta, era tão-somente uma forma de convívio entre sandeus, uma espécie de bródio no decorrer do qual se tentava perceber o mundo após uma queda num caldeirão de estupefacientes.
Felizmente para Inácio, o terreno nunca estivera tão fértil, pelos menos se a intenção for cultivar nabos. Uma imbecilidade, por mais graúda que seja, que noutros tempos estaria condenada à nascença mal a razão desse com ela, tem hoje pernas para andar. Retrospectivamente, magoa-me só de pensar nas provações e privações a que foi votada a imbecilidade durante séculos, a qual, destituída de membros, pernas e fanáticos, via-se negra para prosperar. A razão, essa sacana cujo fito é maltratar ‘ideias parvas’, via nela uma erva daninha. Afortunadamente, a idade das trevas da imbecilidade terminou; segue-se a idade de ouro.
Inácio era um circo apto a regurgitar disparates, qualidade que intrigava muita gente, e causava inveja a outras tantas, essas incapazes de aglutinar pessoas ao rés do seu paleio.
Impando de satisfação, temos o prazer (à falta de melhor termo) de caracterizar Inácio como um endireita. Concedo que é um termo vago, tanto é válido para activistas de sofá, como para fanáticos da conspiração. Ambos são criaturas que tentam endireitar o mundo sem estudos para tal, acabando, o mais das vezes, por escavacar o esqueleto ao nosso planeta. Ao menos sabemos que os destruidores da nossa esfera azul são, amiúde, movidos por um fundo bom.
Eu, que estou com um pé nessa história meio ficcional, e outro no armário que dá para Nárnia, podia puxar do meu talento (palavra hoje anacrónica) e desancar selvaticamente com argumentos polidos o bigorrilhas do Inácio.
Na volta, o mequetrefe zombaria de mim, e com razão, uma vez que falamos línguas distintas, seria macaqueado aqui e ali pelos seus seguidores, o combate seria posto em cena pelas mãos dos seus efusivos tragediógrafos e eu seria caracterizado como o mau da fita, o saloio-mor, aquele que se recusa a ver a verdade.
Eu leio onde os outros rezam, somos de seitas diferentes, incomunicáveis. A pandemia expôs as tensões, esfumou as pontes, exacerbou os palermas. O público, saturado de estímulos, não se afeiçoa a factos, coisas tão desprovidas de pirotecnia.
Gabo o virtuosismo de Inácio, a mentira é professada num estilo afrodisíaco de aliciar cabeças moribundas. O pão é uma miragem; endividamo-nos para adquirir o maior circo de todos os tempos — o século XXI.