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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

31.03.21

A catequese dos amestradores sobe a parada. A língua encrava o elevador. O animal impede o sobe e desce. Do ponto de vista do paladino da cinética, impasse cancerígeno. Contraponho o cume.
Circundam, no mesmo jardim, borboletas e minúsculos cavalos alados. A criança espirra, é alérgica à fantasia.
O manual premente, todo escrito em maiúsculas, no caixote. Faca ruma do faqueiro em direcção à aleivosia.

Sonhei com a vida de funâmbulo anos a fio. Amnésia ou nevoeiro? Bebida de fazer labutar o fígado. A velhacaria sofisticada das negociatas que nos empobrecem. Humanidade vendida por peças na candonga. Defecado o novo livro luzente, moldamos o norte à nossa maneira. Pesadelos, vida, obstáculos
amálgama onde os dias procriam.

A directiva embrutecedora, aleatória, o virote das décadas. Serão estas as personagens que desobedecerão ao guião?

O trapaceiro prevarica a horas certas. Nos arredores de uma vida desgraçada, a esperança, a qual já conheceu melhores prognósticos, cambaleia sem seguidores. Herdou do Homem o seu dialecto de suspiros e pouco mais. O pardal celebra os melhores frutos comendo-os, ao passo que o ser humano chora o fruto prometido, irrealizável.

Um clique no abismo, o solavanco na estrada da monotonia. Cadáver estraçalhado por ratos e corvos, primitivo banquete. Como é grande o Homem, narra a hiena. Diálogo interrompido de chofre pela dor, rapto no labirinto da lacuna. Demitido cotovelo, zona do dédalo em obras. A inquieta definição. No tanque, a rã perdeu o lugar para o cachalote e este para o holofote.

A forquilha na lapela, Diabo enfarpelado para a miséria. Travão no Inferno, diz-nos o anúncio. Esquecimento ou zona de um só Homem. O epicentro da voragem, local onde o tempo nos ridiculariza as proezas. Célere no artifício, obsoleto na vulnerabilidade. Dilatam sem risos o eco visionário deste século. Qual a queda que te ultrapassa? Fito e pinto e enjeito a paisagem na tela da memória. Crepita no olhar a biografia às arrecuas. Vamos lá ver para onde vai esta brincadeira de estar vivo.

 

Língua encrava o elevador, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

30.03.21

Suspiro: passaporte para o outro lado do espelho. Idílio violado pela razão.
O antídoto, o aguilhão desafinado. O contorno a giz à volta do peluche assinala a derrota. O cinismo broca a ficção.
Mas quem é o cínico senão um ingénuo que sinaliza outros ingénuos.

A montante um tigre em pleno salto capturado pela pintura do mestre. Errante e sem idioma, o homem satura a floresta de ensaios de fugas.

Sílabas de arremesso, quer dizer fulgurantemente poéticas, procuram laços junto do cocktail molotov. Alguém a quem chamar pai. Dedos absortos em gasolina pairam, suicidas, sobre o Inferno posto em palavras.

Derrocada reiterada todo o santo dia. Amei muita vez as ficções palradas pela luz. Dissimulei a Queda, simulei a rédea do desespero. Bamba arquitectura que vê no riso um sismo.

A faina do bálsamo falaz. Intempérie de parir Homens. Eclipse travesso ironizava a profecia. Deserto graúdo de mil ardis. Entre uma coisa e outra arengo a paz interior.

Faina do Bálsamo, Roberto Gamito

 

 


Roberto Gamito

29.03.21

O atoleiro da pólvora, explosão residencial. Ser humano. Pirotecnia reticente, fogachos tagarelas. O porvir a reboque da poesia. Penúria degolada em verso e de seguida alada. Medusa e Pégaso.
Mercearia onde se mercadejam venenos e antídotos num idioma de seduzir lacunas. A facção dos imunes. Ao rés do perigo, a lula metamorfoseia-se em ananás. Aos olhos menos instruídos, vampiro, na realidade, inerme. A arcana aldrabice dos abismos. Onde a luz não singra, o parasita consome os olhos do tubarão pitosga. Ligarei amanhã para vos comunicar os detalhes do pacto demoníaco. Até lá, aconselho-vos a cantarolar as gordas do Diabo. A montanha joeira corajosos e medrosos. Pela soma das bandeiras no cume podemos saber, caso saibamos a constante do destino, quantos Homens morreram desde o primeiro dia. Calma, não se apressem, a queda nunca se esgotará.

A carnificina não desmentiu o oráculo. Há cadáveres para todos os gostos, melhor dizendo, para todas as histórias. E cedo limpam à pressa a cena de matadouro. O espectáculo da morte não pode parar, comunica o anjo que faz uma perninha como algoz. Se algum dia chover guilhotinas, vou para a rua, declara o mesmo anjo. O part-time no Céu não chega para pagar as contas, o mesmo anjo ainda. Em boa verdade, o mesmo anjo não será, dado que ninguém é imune à mudança. O perigo não resulta na ida ao Inferno. O verdadeiro desafio é tentar sair de lá. Entretanto arrefecem as frases que noutras alturas nos amparavam. Cardumes de desesperados sorridentes ingressam em lojas à cata de réplicas de vidas desperdiçadas. Silêncio. Pouparam ampla verborreia na justificação. Por breves momentos atenuou-se a espessura da mentira, a fragilidade impôs-se num dialecto de frases cortadas, suspiros e soluços.

 

Queda, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

26.03.21

O terramoto a horas certas. O declive sumário onde se morre sem gorduras, sem palavras a mais. A trajectória excêntrica do cursor pelas redes sociais desaponta o miolo, que se reforma.

A paisagem desfigura-se: o pintor não tem ilusões sobre isso.
Já não há possibilidade de fitarmos o mundo com essa visão pura, por assim dizer, original. Resta-nos surripiar as legendas de quadros pretéritos e com eles fabricar a nossa enfadonha biografia.

E no entanto, o momento em que franzimos a testa vale bem a pena: voltamos a ver, como das outras vezes, que nos falta algo.

Que caminhos temos de calcorrear a fim de criar e experienciar outros estados de visão? Abeiramo-nos do mundo, sem saber o que dizer e encetamos a visão pelo toque, pelo cheiro e de seguida o costume. Repentinamente, a paisagem, outrora mansa, esmaga-nos. Não temos nenhuma intervenção sobre o que nos agrilhoa.

O que eu peço ao leitor é que tenha em conta a singularidade da proposta: um gesto sem nome nem propósito, uma mão de mestre anónimo escapando-se dessa turbamulta de mãos que se acotovelam pela luz mínima dos holofotes da fama. A minha fruição não se esgota com o fracasso nem com a vitória. Um gesto que simultaneamente cria e destrói para deixar tudo na mesma. Números nada mais do que números, dirão uns ou outros. Mas regressemos à pose.

Naturalmente, muitos nomes deliciavam-me. Segundo o meu modesto parecer, o maior legado deixado pelos romanos. Primeiro e talvez fiquemos por aqui no tocante à enumeração, o jovem monge, num assomo de Meursault, puxa fogo ao mosteiro. Nos arredores desse mosteiro belo, magnificado pelo fogo, (à beira da ruína tudo se torna mais belo) o jovem Buda principia a imolação em pose de lótus. Os monges do mosteiro entregue ao guloso incêndio fugiam como animais com as mãos na face, sem gritar, dado que não queriam quebrar o voto de silêncio. Pequenos quadros ambulantes, procissão absurda, caso haja vontade de etiquetar a cena.

Nada me poderá dar maior felicidade do que a ideia de vos fazer pensar, e se possível, num cenário propício à meditação: não um mosteiro, mas numa sanita. E se possível com o cu a arder.

Incêndio no Mosteiro, Roberto Gamito


Roberto Gamito

25.03.21

Bando de estorninhos no funil. Sinfonia de braguilha. Na poedeira o pato e a raposa. A trégua em águas de bacalhau.
O caldo apetitoso e a intempérie, ao seu redor canibais intermitentes. Para deformar a tempestade numa outra coisa mais digerível, não há agressão física praticada sobre o corpo, o meu, o teu, o nosso, um qualquer pedaço de carne angustiada, antes ensaiadíssimas coreografias que desfiguram a dor até ao limite de forma a que o espectador não dê conta do desespero.
O crustáceo no abismo, acometido por gigantismo, passa as horas a podar corais. Foguetório do Narciso. Na calha o herói e o déspota concorrendo pela cabeça do mesmo Homem.

Corvo de patas para o ar, provavelmente morto.
Imagem perturbante, exclama o homem do turbante, que problematiza tanto o voo como a morte. Um dois três som, diz a assonância.

Porém, eu que já fui um pouco de tudo, felino, insecto, crustáceo e outros, utilizando-me em tantas formas e em tantos habitats, na nossa vida, tudo se joga a meia dúzia de passos do caixão.

Na nossa vida, Roberto Gamito

 

 


Roberto Gamito

24.03.21

Um séquito de seres cabeçudos e pícaros ocultam o verdadeiro pateta que lhes confere movimento. É uma máscara que lhes sai do pêlo. Uma certa superficialidade no tratamento do cabeçudo, o escasso arsenal intelectual e literário sobre a vida do dito, uma pouco agradável rigidez marmórea conduz-nos a uma visão empobrecedora do sacana. Será isto o Carnaval?
Escrito o prelúdio pretensioso, avancemos para o protagonista.

Era uma vez um pénis que entrara no Reino do Tesão com o fito de desencantar a boa da folia. Em mais de um sentido, podemos afirmar que a razão se deixou ficar para trás. Grosso modo, falta-lhe fôlego para competir com o pau assim que este aviste terras recreativas. Não é assim que ocorrem as coisas, exclamarão os mais nervosos. Camadas e camadas de artifício adquiridas pelo Homem, não sei se a gosto, se a contragosto, de molde a lograr esquecer-se da sua verdadeira natureza. Sob as várias camadas de verniz, a saber: a educação, a pose, a língua esconde-se um animal de braguilha irrequieta.

Engaiolado nas calças, às vezes, dorme um outro animal que, qual fiel canino, desperta quando sente o seu homem perigar face aos venenos de uma anca pneumática, como que a lembrar-nos de um destino que nos une.

E eis que o homem fá-lo sair das calças, como fizeram os seus antepassados, para o sujeitar ao escrutínio de um olhar amiúde faminto. O que se segue é responsável por alguns dos melhores livros presentes nas prateleiras da memória.

O pau conseguiu, pelo seu talento em entesar-se e pela sua obstinada busca da felicidade em sítios — buracos e restante família de orifícios — desaconselhados pelos magos da simbologia, que os pintam como abismos, transcender a sua condição de companheiro mudo para, de chofre, ser o jóquei do homem. O pénis, que até então apostou em nós, toma as rédeas da situação.

O pénis recorda-me o potencial do Homem. Não era ninguém, mas, surgida a motivação, ganhou ganas de se imortalizar. Uma inspiração.

Introduzindo uma corruptela na fórmula de Caravaggio, a picha alcança uma das verdades mais insofismáveis: não há Belo sem tesão.

O pénis, conhecido também como pincel, é um artista. Onde a sua arte mais inegavelmente se afirma é no tratamento do nu, que, em havendo hipótese, pinta com dedicado afã. O que é a sua missão senão a arte?! Não respondam, é uma pergunta retórica.

 

Pénis, o Artista, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

23.03.21

O encontrão com o vulto, a noite na lama. Fossam garimpeiros e porcos onde ontem havia ouro. O receio tornou-se maiúsculo como uma ficção apocalíptica, as pérolas debandaram como um bando enorme de flamingos. As sobras de crustáceos nómadas respirando de alívio enchem o charco de bolhinhas. Gigantes de faz de conta, critérios flutuantes celebram qualquer ninharia. A argila que ora toma a forma de triunfo, ora de falhanço. O eco em vias de morrer acudido por uma equipa de papagaios paramédicos ganha, infelizmente, uma nova vida. O precipício saindo do papel rumo a um mundo fértil em quedas. A repetição, o nexo entre o regresso e o desespero posto numa cantiga de entediar canários.

Um urso com o preço de uma lebre empalhada. O gerente da loja de obscenidades enganou-se na etiqueta, errou no animal, errou no valor, errou na sua vida. Avancei, precavi-me a ponto de não tentar dar nenhum passo certeiro que pudesse mudar a minha vida substancialmente.

Eis o engodo destinado ao leitor: tesão que separa o trigo do joio. Meu senhor, quer que o enrabe já?, pergunta o vendedor sem máscara ao cliente. O biltre da autenticidade macaqueava a pergunta do vendedor, porém incapaz de a pronunciar até ao fim.

 

Loja de Obscenidades, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

22.03.21

A noite sorteou-me a jornada e fui perder-me numa terra de parasitas. Décadas antes oh maravilha. Sorriso decadente, laivo de sanguessuga, eis o perfil dos que apadrinharam a minha chegada.

Uma trova de sandeu — oh que maravilha! — que une gume e veneno na mesma canção. O meu domínio sobre a fatia mais apetitosa da vida, depenada aqui e ali por facções de papagaios, foge-me das mãos em direcção à folha. E um solavanco que me conduz do mundo à ficção.
O descontente vampiro do bem trabalha de sol a sol, dá a vida pela labuta, logo vampiro como os outros. Pântano residencial. O atoleiro onde palco, palhaços e holofotes são engolidos. No alto, um bando gigantesco de aplausos dançando aereamente como estorninhos.

Sapateado em cima de telhas débeis. Amputado o verbo da língua, nunca mais proclamou nenhuma acção. Aquando do despiste emocional, moça de reboque. Um menino, uma certa noite e de chofre um homem.

Mais uma ida ao roseiral antes de a fórmula glacial se consolidar.

 

Laivo de Sanguessuga, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

21.03.21

Tanto quanto me recordo, a primeira vez que comi bife com batatas fritas foi uma experiência encantadora. A minha pequenez de tamanho e de vida tinham alcançado uma das suas primeiras certezas: isto é bom, quero mais. Deve ter sido aí que comecei a amar a carne. E, pouco a pouco, ganhei-lhe uma intimidade que fez dela, da carne, principalmente do frango, objecto de fascínio e desafio ao faro. Mas não foi o frango que nos trouxe cá.

Entendo perfeitamente a frivolidade de cavaquear sobre bifes com batatas fritas, parece que, além da sua estrita função de nos encher a pança, não há nada a comunicar sobre eles a não ser reconhecer-lhes o lugar de destaque no prato, os quais, acompanhados pelas antigas amigas, as batatas fritas, formam um dos quadros mais belos criados pelo Homem. A alegria esfuziante de um catraio que descobre, de supetão, que afinal a sopa deu lugar a um repasto digno de um rei, é digna de figurar numa ode. Sem grande surpresa posso confessar que fui educado segundo a doutrina da carne: se te portares bem, há bife com batatas fritas. Correu bem, até ver não assassinei ninguém nem sequer cometi delitos pequenitos.

Aos poucos, e à medida que a minha esfera vocabular se ia expandindo, principiei a adorar o bife com novo fôlego: agradava-me o cheiro, as respeitáveis dimensões não me eram indiferentes (tanto que, anos mais tarde, fazia questão de pugnar, qual bárbaro, pelo maior bife) e, questão importante, se era fácil de cortar.
Sempre desprezei sem peias as crianças que se negavam a cortar o bife. Que heresia! Era mandá-los para fogueira. Muito do prazer do petisco está no acto de cortar bocados à medida da nossa fome.

Ao mesmo tempo que o bife espicaçava a minha imaginação e ia ganhando terreno nos meus sonhos, apareceu um novo personagem. O ovo estrelado. Um dia, estava já munido de faca e garfo pronto a estraçalhar mais uma vítima fumegante, quando me disseram: “Espera, vou pôr um ovo em cima do bife”. A princípio desconfiei, nunca gostei de mudanças, mas cedi, pensei: os adultos deviam saber mais de pitéus do que uma criança de joelhos esfolados. Com efeito, aceitar que poisassem um ovo em cima do meu bife foi das melhores decisões em toda a minha vida. Doravante não logro imaginar os bifes sem o seu fiel companheiro, o ovo. Não consigo esconder o sorriso sempre que ouço a expressão “bife com ovo a cavalo”. Em criança, imaginava o bife como cavalo e o ovo como jóquei. Do alto da minha fome, fitava, ababalhado, o prato e imaginava estórias. Roberto, o gigante catraio, devora cavalo e jóquei, enquanto o público, as batatas, aplaudem a carnificina.

E ao longo destes milhares de encontros, esses sucessivos negócios, se preferirem parlapié de adulto, construímos uma relação sólida. Obrigado, bife com batatas fritas. Obrigado, ovo. Já provei outros pratos, mas regresso sempre onde fui feliz.

 

Bife com batatas fritas, Roberto Gamito

 

 


Roberto Gamito

20.03.21

Sobre a arte de aconchegar o tomatal em sociedade pouco ou nada se escreveu. Da relação próxima entre o homem e as suas vergonhas transborda um formigueiro de interpretações e mal-entendidos. O conforto, confessou-me um sábio, começa com o aconchego do escroto. Sem o escroto confortável é impossível que algum debate frutifique em ideias. Por consequência, o mundo não pode avançar se não houver uma multidão de escrotos bem-disposta.

De facto, há literatura que escarnece os penduricalhos do macho, ora deformando-os de forma a sugerir que o homem é um ser patético, ora parodiando numa língua cheia de roncos e gargalhadas a imagem perfeita que o homem tem de si próprio. De tomates ao léu, qualquer narcisismo exacerbado definha.

Outros, mais bebidos e sem qualquer ligação ao rebanho, atiram-nos um palavreado tão pomposo sobre os colhões que não temos outra solução senão aplaudir prontamente para ver se o tipo se cala. Felizmente resulta quase sempre. Aplausos, aprendam, é o alpista do ego emplumado. Todavia regressemos aos tomates.

É um problema delicadíssimo: são poucas as pessoas com as quais podemos contar quando é chegado este momento de aflição que tantas vezes acomete o homem, seja ele bravo ou medricas, grande ou pequeno, impecavelmente direito ou corcunda, de língua atlética ou analfabeto, sábio ou youtuber. Não te esqueças do que vais dizer, vou só ajeitar os feijões, eis uma frase inverosímil. Pouca gente entenderia; aliás, seríamos logo apodados de labregos. Há um acordo tácito com a sociedade que obriga o homem a cuidar do seu chumaço às ocultas. Enfim, a lacuna naquela frase feita “todos os corpos são bonitos”. O autor desta frase (e provavelmente autora) — das frases mais repetidas nestes últimos anos — esqueceu-se que o homem é dono de um bicho pouco abonado de beleza, o escroto. Estou em crer que se houvesse o prémio anual para a coisa mais feia do planeta, o escroto açambarcá-lo-ia sempre.

No campo do engate, creio que estamos diante do maior anti-afrodisíaco. Desenhemos o seguinte quadro com o pincel modesto da crónica: o jantar propriamente dito já sucedeu, a conversa decorre a um ritmo entusiasmante e, admita-se, estamos prestes a alcançar os cumes do tesão. Eis que o homem comunica à mulher: sossega a crica um segundo, vou pôr os colhões confortáveis. Nada sobrevive a uma deixa tão devastadora. A cona, outrora húmida como uma cascata em formação, metamorfoseia-se num deserto.

Já muito se falou de peidos e relações amorosas e como é necessário haver uma intimidade trabalhada ao longo de meses para que a flatulência possa singrar sem abalar as fundações do casal, todavia o que é um gás cujo cheiro pode espantar revoadas de pombas perto de um homem que joga as mãos às bolas como quem faz um truque de magia.
O tesão, muitas vezes tido como invulnerável, falece fulminado pelo inesperado da situação para nunca mais ressuscitar. Podem socorrer-se de génios ou de Jesus a fim de o ressuscitar que o tesão nunca mais se há-de reerguer.

E eis-nos chegados a uma encruzilhada. O que é mais importante: o conforto do saco ou dar pasto ao tesão? És parvo?, respondem. Estão certos, porém não é a responde que andamos à procura.

 

Do aconhego tomatal, Roberto Gamito

 

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