Roberto Gamito
28.05.21
Chorão polivalente
Uma carpideira da nova escola. Megafone das dores alheias. Consegue, qual adepto ferrenho, ir buscar dores à década de 60 e relatá-la detalhadamente como se fosse hoje. Ao contrário das carpideiras primevas, este ágil chorão é capaz de chorar, qual ser ubíquo, inúmeras mortes em simultâneo. Se gritar fosse um emprego, seria bilionário. Um prodígio no tocante a transformar uma coisa boa numa coisa má. Um alquimista às avessas. Um anti-Midas cujo dom é transfigurar aquilo em que toca — mesmo ouro — em merda. Não há registos de que esta pessoa consiga ser feliz.
Fã ecléctico
Não há nada que esta criatura não elogie. Minto, precisa de ter pelo menos 10 mil seguidores para ser digno de louvor. Compreensível, a História ensinou-nos, mais que uma vez, que não há génios sem seguidores. O filho mais talentoso do lambe-cus. Aperfeiçoou a arte dos seus ancestrais até ao limiar da perfeição. Divide a língua num sem-número de elogios. Para ele, a contradição é uma miragem; a crítica, dispensável.
O sonho dele é passar quinze dias com as celebridades mais famosas do mundo a tirar selfies. Numa palavra, um vampiro paciente.
Plagiador plagiado
Um dos animais mais espectaculares que podemos encontrar nesta fauna. Episodicamente, escreve algo vagamente original. Um em dez mil tweets é da sua autoria. Copia desenfreadamente anónimos e famosos. Tem a lata de, ao acabar de escrever uma piada em 2021, acusar o comediante de o ter plagiado em 1986.
Desligado da realidade; só usa a razão em dias de festa.
Em dias de bebedeira é capaz de garatujar algo como isto: “dou muito valor à originalidade”. Em suma, um filho da puta com obra feita.
Duchamp tardio
Artista excepcionalmente contemporâneo, o qual tira tudo de contexto, a saber: piadas, frases, imagens, suspiros e silêncios, pichas e conas, se for o caso.
Ironicamente, prefere a sanita ao urinol.
Comediante frustrado
Fel em forma de pessoa. Alguém que é capaz de pedir um mês de férias ao patrão para poder estar concentrado em destilar ódio nas redes sociais dos humoristas que singraram. Guardião do humor. Há um rumor segundo o qual ele guardou num cofre a verdadeira definição de comédia. Porta-voz da ideia de que não há comédia em Portugal. Em dias mais inspirados, brinda-nos com piadas de merda que, segundo o seu critério, são geniais. Hitler, o qual foi um pintor frustrado, não lhe chega aos calcanhares no que respeita à cólera que borbulha nas tripas. Em havendo hipótese, destruía o sistema solar sem pensar duas vezes.
Agelasta
Nunca foi visto a rir. Não acha graça a nada, excepto em ver um humorista a ser linchado nas redes sociais.
Para ele, o humor devia ser abolido, a pior invenção da humanidade. Quem se ri é, no mínimo, mentecapto. Para este ser sapiente, Cervantes é apenas um coxo, Sterne um fanfarrão, Beckett, absurdo, Pirandello, um desnorteado. Faz questão, qual bot, de comentar que não acha graça a cada piada que os comediantes lançam.
Há ainda a casta mais intrépida — leia-se patética — de agelastas que não se inibe de dizer: “é sempre a mesma coisa, não há inovação”. Uma espécie de deus omnisciente entediado. Em parlapié de taberneiro, um chato do caralho.
Herdeiros da Ana Malhoa
Ana Malhoa, para quem eu mando um abraço, é provavelmente uma das figuras mais marcantes do século. Foi a primeira a juntar numa frase três idiomas, a saber: português, espanhol e inglês. Se quiserem, uma espécie de Nabokov, mas com uma peida magistral.
Presentemente, poetas e pessoas comuns usam essa estratégia para cativar as turbas, quer estejamos no twitter ou num sarau de poesia. Hoje em dia é praticamente impossível andar no twitter e ver uma frase com três linhas sem meia dúzia de termos em estrangeiro. Faltará pouco para começar a haver represálias para os portugueses que decidem escrever apenas um português.
Relações públicas de corpos desnudos
Para começar, há duas facções. Aqueles que se escondem atrás de corpos alheios, e os que funcionam como promotores de corpos alheios.
Os primeiros são uma espécie de curadores de nalgas e mamaçal, os segundos, não menos importantes, comentam em termos excepcionalmente elogiosos, com vista a pingar alguma pachachinha. Não há provas que este comportamento se traduza em mais cona ao final do mês.
Feminista postiço
Por norma, um machista 2.0 adaptado aos tempos modernos. Em teoria, consegue ser mais feminista que a mais radical das feministas, na prática, acabará por disseminar dick pics não consentidas pelos seus contactos assim que houver a mínima oportunidade. Uma forma sofisticada de sacar cona. Até hoje não se sabe se este modus operandi se traduz em resultados. Seja como for, as feministas parecem sentir-se propensas a desculpar um machista 2.0. A prova de que ninguém se importa realmente com a verdade; o que queremos, como escreveu o outro, é uma mentira que nos favoreça.
Indignado profissional
Consegue irritar-se com tudo, desde o muito pequeno ao muito grande. Consegue encontrar ligações onde criativos e cientistas são incapazes. É hábil em detectar uma constelação de problemas nas migalhas que povoam a roupa de outra pessoa. Uma máquina de gerar problemas onde não existem. Um escapista da nova geração. É incapaz de lidar com os seus próprios fantasmas, contudo tem soluções perfeitas para todos os problemas do mundo.
Paladino do óbvio
Estes tempos macacos do politicamente correcto trouxeram-nos uma figura inesperada: o paladino do óbvio. Como tem medo de ofender os demais, fica-se pelo óbvio. Para homenagear Nelson Rodrigues, são legatários do óbvio ululante. Dos fenómenos mais degradantes deste século é assistir a um debate onde só se trocam obviedades. Ao que parece, a profecia sobre a morte do pensamento não andava muito longe da verdade.
Refugo do Instagram
Gajas boas e gajos bons, mas não suficientemente bons para conseguirem singrar na rede social da fantasia. Exibem nalguedo e mamas com uma frequência assinalável, para gáudio dos famintos.