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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

15.06.21

Assustamo-nos com frases, ontem com feras. A frase como uma gruta apinhada de ursos.

O mundo? Respondo que não o vejo há dias. Que o perdi de vista quando comecei a escrever o livro.

Quando a ave canora se distrai um segundo, o poeta avança. Eis o ofício de paciência: aproveitar as pausas das aves para treinar o canto.

A apresentação de um livro é inútil. O mais que se pode fazer é anunciá-lo à plateia como uma mãe que anuncia o nascimento de um filho. Nada se pode dizer daquilo que acabou de nascer.

Repetir alto o nome de Deus até ele deixar de fazer sentido. Quantas repetições serão necessárias até Deus se dissolver no ar? Apontar o número de vezes que é preciso repetir uma palavra para esta perder sentido. Eis um indicador da sua força.

Uma piscina vazia povoada por um casal de patos que acabou de aterrar. Outrora a piscina era sinónimo de felicidade e lazer. A desilusão que é regressar aos sítios onde fomos felizes.

Como se chega com a mão ao coração sem abrir o peito? Carne permeável ou impermeável ao olhar demorado.

Cada número representa um tijolo de uma ficção de perder de vista.

Memorizo poemas como se adoptasse cães. Em momentos de perigo, principio a dizê-los em voz alta. Bater à porta de pessoas ao calhas e perguntar-lhes se não gostariam de ouvir um poema. Ideia: Uber de poemas. Mandar vir poetas para nos dizerem poemas à porta de casa. Esgotar todas as rotas da salvação antes de desistir.

É um cadáver encalhado — refiro-me ao cachalote sem nome — com várias vidas lá dentro. Uma comunidade de Jonas sai um a um do corpo putrefacto.

O mar revolto tomba-nos sem pedir licença. Ficamos a sós com a nossa queda. Ou levantamo-nos ou afogamo-nos. A dificuldade que é encontrar mãos solícitas no meio do oceano. No que pensará o náufrago minutos antes de desistir? Uma síntese, motivos para nos mantermos à tona. Em faltando tábuas, agarrarmo-nos a memórias.

Arte adulta, a saber: livros, poemas e frases adultas, que não dependam de mim para continuar vivos. Menos que isso é um falhanço.

Se não te divorciaste dos fantasmas, és uma casa assombrada ambulante. Sujaste o muro de poesia, diz o fiscal da normalidade ao poeta. Olho em volta, as pessoas são agora pontos ao sabor da maré, peixes resignados ou mortos. O poeta terminou o seu último poema: não desejo isto a ninguém. Ouve-se um tiro.

Um único verso. Isolado da obra como um idoso sem familiares.
Em certos labirintos, há cobaias a deambular sem queijo nem objectivo.

Respirar tornou-se ainda mais decisivo. Não se deve olhar para os números quando estamos sem fôlego. A folha de cálculo é incapaz de nos ofertar oxigénio.

O mundo está a morrer, comentou o velho. Não haverá funeral, não há onde o enterrar, ripostei com um sorriso amarelo. E continuei: daí a necessidade de bombas cada vez mais potentes, urge reduzi-lo a cinzas.

O velho fuma um charuto à porta da igreja. O milagre tem-me na mão. O mundo é o mesmo de sempre, mas sem brilho.

Avanço com a mão vendada rumo a um nome que julgo amar.

 

Cobaias sem Queijo nem Objectivo, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

14.06.21

Há muita coisa que se pode investigar de coração aberto.
Entrevistar pessoas, tirar conclusões. Entrevistar animais, tirar conclusões. O mesmo estudo. Do lado de fora da sala, separados por um vidro, qual esquadra de polícia, os descendentes de Noé avaliam se os animais são merecedores de ingressar numa nova arca.

Usar o mesmo espaço para outra experiência. Na mesma sala, o suposto imortal e o abutre. Qual deles será o primeiro a desistir da sua natureza?

Na mesa posta no pavilhão vazio, a faca parece fazer convites irrecusáveis. A performance da metamorfose do homem aborrecido em suicida dar-nos-á matéria de estudo nos séculos ulteriores.

Se quisermos humanizar o vírus, imaginemo-lo como uma chusma de franco-atiradores no alto de todos os edifícios. Um franco-atirador por cada ser frágil. Cada tiro, cada melro. Não haverá sobreviventes; a chusma evaporar-se-á assim que a tarefa última estiver concluída.

Deixei de acreditar em Deus quando me dei conta que o meu amor foi insuficiente. Se Deus é insuficiente é porque Ele é uma farsa. Deus é amor mas igualmente o nada.

Resignado ou possuído pela arte? Possuído pela arte podemos mudar de assunto ou tratar o assunto de sempre pelo ângulo morto, uma perspectiva inesperadíssima.

O assunto não sou Eu — o século XXI esqueceu-se do básico. O lado hilário desta constatação: arte a fazer de conta que é arte.

Não sei se a poesia está morta, todavia, num século domado pelo ruído, é preciso parar e celebrar o espaço entre os versos. Árvores e arte como fornecedores de oxigénio. Tentar por todos os meios preservar quem nos permite respirar.

O poeta permanece qual homem-estátua diante da folha em branco. Orgulho-me, pensa o vate, desta força e da obra que resulta dela. Pôr a energia no branco da folha, tornar a obra assustadoramente ilegível. Nos arredores da cratera do asteróide, o profeta afina os detalhes da próxima profecia. Um fim afinado dia e noite. Um fim sem falhas: eis o que profeta anseia.

O espaço todo usado, liquidado pela selvajaria da prosa indómita, verbos e nomes e adjectivos e o mais povoam a folha sem língua que os pacifique. O retrato abandalhado da humanidade.

O espaço todo usado da folha outrora em branco, conquistado pelo poema, fórmulas matemáticas e exegeses e sublinhados dos vindouros. Uma ciência ulterior que semeia sublinhados e notas de rodapé. Uma cerimónia que preludiará o pó.

Um fracasso amoroso tão grande que pode ser visto do espaço. Astronautas dedicados a estudar a extensão e a beleza do fracasso.

A coragem desertou. O funambulismo por ora suspenso. O génio nasce quando uma criatura fita o mundo e encontra forças para o defrontar numa luta de vida ou morte.

Qualquer dia começa outro século e ainda não fizemos nada que preste com este. Bebemos para homenagear os dias. Os dias futuros, os dias passados. O presente é a taberna onde se celebra o passado e o futuro.

A comédia banida. Imaginar especialistas nas ruas, cafés, nos andaimes a detectar humor em frases inofensivas. Aniquilar qualquer desvio à norma. Dois mundos incompatíveis: narcisismo e comédia. O que nos dirão os corações se não houver possibilidade de rir face às tragédias?

É preciso levantarmo-nos da cama, fazer uma fífia à depressão, fingir que sobrevivemos à tempestade. A língua dos predadores, a língua das presas. Não é a fuga nem o combate. A dança como tradução suprema.

Tu mudas, os critérios mudam, ou vice-versa. Digo isto pausadamente. Minutos antes da emboscada, arranjamo-nos. Um último capricho. Há muito medo nas entrelinhas das frases motivacionais.

Mais uma desgraça. Sobe para X o número de deuses que morreram desde o início. Desnorteados, vasculhamos as prateleiras dos hipermercados à procura de algo a que nos agarrar.

Um vírus enquanto avó, que nos obriga a ficar em casa. A ver se o teu cheiro torna mais tragável a vida, a ver o teu beijo abranda a queda. A ver se o meu olhar singra no teu rosto.

Pandemia interminável. À noite, ouvimos um número — preferencialmente ao rés do zero — como quem escuta uma canção de embalar. Pouco infectados, zero mortos. O homem pequenino dorme descansado.

 

Homem pequenino, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

11.06.21

Bem, deixem-me que vos diga uma coisa, seus fedelhos.
Presentemente, os bebés são estupidamente sobrestimados pelos pais. No século passado, os pais nem sequer sabiam os nomes dos filhos. Alguém podia trocá-los por cães de louça que levariam meses a darem conta do sucedido. Os cuidados de que são alvo são apertadíssimos. É como se as crianças fossem droga que precisamos de fazer chegar aos pontos de venda habituais. Contudo, antes disso, urge ter cuidado com a bófia. Vamos lá ser sérios uma vez na vida: os bebés, ao contrário das drogas, não têm valor comercial. Sei bem que os traficantes de menores discordam, mas é a minha opinião.

Embora não veja qualquer valor nesses homens em botão, reconheço a sua diversidade. Citemos alguns exemplos de putinhos:

1) Putinho suicida.
A maior parte dos putos pode ser incluído neste grupo. Naturalmente, o puto é uma criatura que salta de tentativa de suicídio em tentativa de suicídio. É inegável que têm uma fixação pela asfixia. Suspeito que o sonho deles é morrer sufocados. O que empreendem para realizar o seu sonho de se suicidarem em tenra idade? Tudo, não são homens de onomatopeias, são homens de acção. Põem na boca a primeira coisa que agarram, a saber: peças de lego, fruta demasiado grande e rija ou um vibrador, caso a mãe seja mais descuidada com as suas lides masturbatórias.

2) Putinho larápio.
Uma espécie muito inconveniente de catraio. Regra geral, chegam a casa de um estranho e principiam a abrir gavetas como se procurassem algo de valor. Se os quiserem ver como agentes da autoridade, levam a cabo uma espécie de rusga. Há uma razão para isso. O agente anão afadiga-se à procura de mamas nos armários e nas gavetas.

3) Minibárbaro empinocado
Nos anos 80 e 90, crescíamos como bárbaros. Joelhos esfolados, roupa suja, lutas com paus, pedradas à desgarrada: eis como eram as nossas tardes. Como paga, recebíamos um arraial de bofetadas.
Actualmente, há uma casta de putos que faz muitíssimo pior, porém os adultos não lhe podem dizer nada, chegam a ponto de os incentivar. Se uma criança estiver prestes a degolar o taberneiro, ninguém pode dizer: “Puto, não faças isso, estás a aleijar o homem”. Os pais podiam levar a mal. Acrescente-se a isso que o bárbaro está empinocado da cabeça aos pés com a roupa da moda.

Eis uma pequena amostra da fauna de putos do século XXI.
Como podemos combater estes selvagens?
Por exemplo, sou a favor de veículos sem cintos de segurança e das travagens bruscas. É por essa razão que antigamente tinham tantos filhos, sabia-se que bastava uma travagem para pôr termo ao problema. Hoje são os cintos, as cadeiras e o mais. Houve um tempo em que ninguém se importava com a segurança das crianças. Eram bons tempos.

 

3 tipos de putinhos, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

10.06.21

As festas para crianças são uma espécie de tortura vanguardista excepcionalmente cruel. As vítimas — os adultos — não podem chorar nem gritar, enquanto os carrascos — os putinhos — riem a bom rir. Não fosse o álcool e essas festas seriam palco de suicídio colectivo. Suspeito que até o mais fervoroso crente é capaz de concordar com esta ideia: “Deus está em toda a parte, excepto em festas de crianças”.

Quem são os palhaços nessas festas? Um palhaço que se dedica a estes certames de catraios é uma figura triste. Estudou para ser um digno palhaço de circo, sonhava com a vida de nómada durante a qual saltava de cidade em cidade, porém teve de se contentar em tentar — ênfase no tentar — divertir putinhos ranhosos. Além disso, há putos que os detestam. Que vida degradante é essa? Actuar para um público que nos despreza ou odeia. Creio que faz falta um documentário centrado nestas figuras destroçadas pelos carniceiros pequenotes.

Mas não nos esqueçamos dos infantários. O que é um infantário senão um manicómio para seres humanos em miniatura? A prova de que o infantário é um local destinado a acolher pequenos maluquinhos é a farpela. Vestem-lhes bibes para que se distingam das pessoas sãs (até ver), os educadores de infância.

Os pais acham que os filhos adoram sopa. Ignoro de onde retiraram isso. De certeza que não recolheram dados no terreno, até parece que não têm filhos. Os putos fazem o que lhes compete, comunicar dentro das suas possibilidades o facto de detestarem sopa. A criança faz tombar o prato no chão, desperdiça a sopa que lhe põem na boca e, se tudo falhar, vomita. Qual é a reacção do pai a este teatro? O meu filho adora sopa. Enfim, nunca convidem pais para jogos de mímica.

Quando o filho é pequeno, os pais estão em negação. O bebé borra-se nas cuecas, vomita, arrota como um bárbaro profissional e chega mesmo a andar de tronco nu numa pastelaria. Como resposta a isso tudo, os pais dizem sem réstia de vergonha: “Estou muito orgulhoso”. Já que aqui estamos, aproveito para vos perguntar uma questiúncula que tanto me apoquenta: até que idade podemos dizer que sentimos orgulho em alguém que defeca enquanto está à mesa? O orgulho só faz sentido se os pais tiverem prisão de ventre e não conseguirem esconder a inveja em relação ao filho cagão.

O mundo está como está porque ninguém tem coragem de entrar nos infantários e gritar: “Vocês, putinhos do caralho, são uns merdas. Achei por bem avisar-vos, os vossos pais não podiam continuar a enganar-vos. Um resto de uma boa tarde. Podem continuar com as vossas brincadeiras.”

Há uma altura em que os pais vigiam os filhos 24 horas por dia. São como que seguranças não remunerados da celebridade em miniatura. O seu trabalho é evitar que os putos se metam em alhadas, a saber: partir coisas, levantar saias a mulheres, tombar garrafas, entre outras coisas que por norma associamos a vândalos. Num mundo justo, as cadeias estariam apinhadas de putinhos.

A vida de universitário, se ajudada pelo álcool, é uma segunda infância. Regressamos às quedas, aos balbucios e aos vómitos.

Por favor, não me contem as façanhas das vossa crias. Nem hoje, nem amanhã. Nem nunca. Vamos lá ver se a gente se entende de uma vez por todas: eu não leio biografias de gente interessante e agora vou perder tempo a ouvir as proezas de caca dos vossos rebentos?! Repara, diz a mãe, o meu filho pronunciou o seu primeiro monossílabo. O que posso responder numa altura dessas? Fico muito feliz por vocês, riposto eu a morrer por dentro, se o vosso filho quiser já pode criar uma música brasileira.
Não me macem com os conseguimentos dos vossos filhotes, a menos que ele tenha entrado à socapa na mansão da Playboy e tenha passado a noite a saltitar de teta em teta.

“O meu filho entende tudo, é muito inteligente!” Sim, aos 5 anos já percebe tudo, até que os pais são uns pacóvios.
Calma, acho precipitado ver genialidade num animalzinho que pouco mais faz que rir e cuja obra está reunida, não em volumes, mas em fraldas. Ou: “o meu filho é tão inteligente, olha para ele a mexer no tablet”. De seguida, o putinho levanta-se, desata a correr e dá uma cabeçada na televisão. Como se fosse um pardal. Eis o vosso Einstein.

Os putos são altamente permeáveis àquilo que ouvem. É como ter um papagaio novinho em folha. Com uma diferença substancial: regra geral, os pais não querem que a primeira palavra do putinho seja cona — o que para mim é incompreensível.

Apontamentos sobre os putinhos, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

09.06.21

E se concretizássemos todos os nossos pensamentos?
Seguem-se alguns exemplos.

1) Reunião de trabalho. Um comentário excepcionalmente franco.
— Antes de avançar para a discussão do tema que nos trouxe cá a este sítio mal arejado, no qual os suores fabricam uma sinfonia nojenta, gostaria de vos confessar que nunca estive numa sala com tantos imbecis. É um luxo do qual não dispenso. Além disso não me avisaram que era um casting para escolher o melhor lambe-cus da empresa. É um dia triste para o lambe-botas que não se conseguiu adaptar aos novos tempos. Podem prosseguir a reunião.

2) Conversa aborrecida com o vosso amigo murcha-cérebros.
— Eu bem tentei, mas não dá. A amizade acaba hoje. És a pessoa mais chata do sistema solar. Gosto de ti, todavia não nos podemos voltar a encontrar — caso contrário teria de me suicidar. Esquece as palavras e começa a comunicar em gifs.

3) Num jantar de família.
— Avó, não ligues aos comentários. A tua comida é tão boa como o melhor estrume. Quando nos levantamos da mesa, mentimos-te. Não é chichi nem nada que se pareça. É para ir vomitar. A melhor parte de comer um prato confeccionado por ti é quando vomitamos. Aquele travo ácido que fica no rescaldo do vómito. Por favor, nunca mais cozinhes na vida, o mundo está repleto de desgraças.

4) O amigo engraçado.
Não, não és o próximo Seinfeld. Não tens graça nem que a minha vida dependesse disso. És o refugo do refugo no tocante aos humoristas. Se Deus soubesse que um dia ia nascer uma pessoa tão sem graça como tu, quase de certeza que não tinha criado o universo. Levar pedradas de manhã à noite é mais cómico que qualquer uma das tuas frases. Se queres mesmo seguir a vida artística, aconselho-te a vida de homem-estátua. Pressinto que tens futuro em estar quieto e calado.

5) O homem de rabo ecléctico.
Bernardo, gostaria de fazer um comentário espirituoso sobre o disparate que é estar vivo, porém a tuas milhares de aventuras sexuais monopolizam a conversa. Há dias em que te imagino com um daqueles chapéus com uma cerveja em cada lado e um tubinho pelo qual bebemos o conteúdo das cervejas. Só que em vez de cerveja está sémen. Fico feliz pela tua vida sexual que é mais activa que um rafeiro a perseguir o rabo, porém não necessitas de documentar todas as esporradelas da tua vida. Não te conto como é a minha semana em termos de punhetas, pois não? Em suma, menos esperma nas nossas conversas.

6) Vontade de matar alguém.
Já vos aconteceu (não mintam!), durante uma conversa, ter um pensamento: “E se eu matasse este gajo?”
Mas de seguida, ao pensar melhor no assunto, ficam tristes.
— Se tivesse começado a assassinar pessoas quando era mais novo, hoje seria um profissional a dar navalhadas fatais. Tenho 50 anos. Já não tenho idade para ser um psicopata em condições. Faltam-me estudos. E eu sou o tipo de gajo que, ou faz as coisas bem, ou nem vale a pena começar. Uma pena, diz ao cadáver adiado, darias um belo morto.

Pensamentos concretizados, Roberto Gamito

 

 


Roberto Gamito

08.06.21

Tertúlia de Mentirosos com Marine Antunes.

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Deambulámos por uma enormidade de temas, a saber: paixão e amor, mau feitio, treinar o elogio, o cancro ensina-nos alguma coisa?, cancro com Humor, novos projectos, abraçar novas experiências, o falhanço. 

Podem ouvir o episódio aqui ou noutra plataforma de podcast.

 


Roberto Gamito

08.06.21

Não me sinto confortável. Uma das deixas mais ouvidas neste teatro contemporâneo a que chamamos mundo. Repetimo-la dia e noite sem parança. Chego à conclusão que o propósito do homem é encontrar o sítio mais confortável possível para o seu rabo, tudo o resto são questões acessórias, bagatelas com que ocupamos os tempos mortos.

Não consigo imaginar os homens das cavernas a dizer “estou desconfortável”. Não porque não o sentissem, mas porque trazer esse tema à baila era, convenhamos, desconfortável. Naquela altura todo o mundo era desconfortável. Talvez fosse isso, e não a procura de comida, que obrigou os homens ao nomadismo. Daí a caçada demorar semanas. Estavam à procura de sítios fofinhos onde pousar o rabo.

A felicidade do homem antigo quando inventaram a almofada deve ter sido colossal, irrepetível na história humana. Obrigado, Senhor, o nosso cu agradece, devem ter gritado. E naquele dia ninguém se levantou.

Chegados ao cume do conforto no tocante aos assentos, o homem dedicar-se-á doravante a tornar o cu mais roliço. Por que diabo acham que as mulheres querem ganhar um cu avantajado? Conforto, meus filhotes. O que nos move é o conforto: queremos sentar-nos o mais confortavelmente possível, expurgar o desconforto das nossas vidas. Que rabo nos concederá o máximo conforto? Eis uma das perguntas que ocupam os cientistas do século XXI. Desconfio que, no momento em que encontrarmos o cu e o assento ideal, nunca mais nos moveremos para fazer nada. O conforto absoluto foi conquistado, a nossa jornada estará cumprida.

 

Jornada do Rabo, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

07.06.21

Para mim, alguém que gosta de crianças é automaticamente boa pessoa. Não percebo o ódio aos pedófilos.

O ser humano é hábil em encontrar justificações para não dar um passo em frente. A menos que tenha tendências suicidas.

“Pode fazer-me um favor?” De certeza que já ouviram isto. Há pessoas que não se inibem de pedir favores, seja a quem for, várias vezes ao dia. Para essas, o mundo é uma província povoada de moços de recados.

À medida que envelhecemos, começamos a dar valor a coisas que antes tomávamos como garantidas. Por exemplo: uma boa noite de sono. Não compreendo como é que alguém com 30 e tal anos se mete nessa aventura de ter bebés.

Os canibais são pessoas inspiradoras, conseguem ver oportunidades onde nós só vemos tragédia. Para nós, um carro a arder na auto-estrada é um acidente, para os canibais, um churrasco.

A fome obriga as pessoas a fazerem os actos mais incríveis. Por exemplo, comer pizza com brócolos.

Sabem aquela altura da relação em que tudo nos irrita na outra pessoa? E que tal apelidá-la de fase André Ventura.

Sem comediante, o rabugento do twitter sentir-se-ia perdido. De facto, o humorista é uma espécie de farol para o hater.

— Queres ir lá a casa ver o bebé?
O que respondo: Claro, quando te der jeito.
O que penso: Sim, vamos marcar isso para daqui a 6 anos.

O pai da noiva a falar com o noivo num mundo em que ninguém tem papas na língua.
Parabéns, meu rapaz, espero que a cona da minha filha te dê muitas alegrias e que o teu pau esteja sempre à altura das circunstâncias.

Ela: Não gosto do tom com que estás a falar.
Ele: Queres ver que casei com uma professora de música.

 

11 Piadas, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

04.06.21

A flor é, a par do cão, o melhor amigo do homem. Tal como um grande amigo, está connosco nos bons e nos maus momentos, na paixão e na morte, na saúde e na doença. Bem vistas as coisas, as flores foram os primeiros diplomatas, uma vez que desanuviam as ligações tensas entre duas facções. A título de exemplo, mortos e vivos, homens e mulheres e por aí vai.

Num relacionamento, o homem com alergias possui menos hipóteses de reconciliação. É alguém que, caso traia ou faça alguma baboseira graúda, não tem nada para oferecer à mulher. Ao mínimo erro, uma relação outrora sólida pode ruir. Este é o poder das flores. Eis a verdade, a relação está condenada a falhar.
Em princípio, nunca escutaremos uma história deste tipo:
— Sabes, compincha, conheci a minha namorada na Primavera. Tanto eu como ela somos amigos das alergias. Foi espirro à primeira vista.
— Que linda história de amor repleta de germes!

Pouco verosímil, não é? Aproveitemos o recente encadeamento de ideias para nos demorarmos no canibal. Como será o canibal no engate? Será que oferece um bouquet de mulheres chamadas Rosa à sua futura namorada? Se sim, é um gesto bonito.

Fala-se de génios, mas esquecemo-nos sempre do anónimo que principiou esse ritual de oferendar flores à fêmea com fins de acasalamento. O que terá ele tentado antes? Caca, qual escaravelho-bosteiro, pedras, conchas, cadáveres, raízes. Até que um dia teve uma epifania.
— E se eu pegasse nesta coisa colorida e perfumada e oferecesse à mulher com que eu quero passar os meus últimos dias? Ou pelo menos este fim-de-semana.

Com efeito, acredito no poder nas flores, todavia já torço o nariz quando me asseveram que cada flor tem um determinado poder. As floristas julgam saber quais as flores adequadas a qualquer situação. Não será isso uma burla? Por exemplo: vendem-me umas flores, alegando que são as ideais para conquistar alguém. Mas e se falhar? Não deveríamos poder devolvê-las?

Eu: Estas flores estão estragadas. Ou dá-me outras ou quero o dinheiro de volta.
Florista: Nunca me tinha acontecido. Aliás, essas são conhecidas como o engodo-de-cona-perfeito.
Deve ser do lote, este ano fez muito calor.
Eu: Esqueça, dê-me antes uma coroa-de-flores em miniatura.
Florista: Mas é para alguém especial?
Eu: Sim, é. É para o meu pénis. Acho que é altura de celebrar a morte da minha vida sexual.

 

Flor, a melhor amiga do homem, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

03.06.21

Não percebo a ânsia de quem necessita de viajar com frequência. Ai, se eu não viajo, enlouqueço, dizem. Primeiro que tudo, alguém que se expressa dessa forma já não anda bem. As camisas às flores e chinelos não são antídotos para a loucura, que se saiba. Tencionam ver pessoas de outras culturas? Passem uma semaninha em Albufeira. Garanto que vos passa logo a vontade. Amiúde a viagem serve tão-somente para confirmar que as pessoas são iguais, mais coisa menos coisa. Já tentei conviver com elas. Não resultou, não é para mim. E como eu há-de haver mais criaturas que dispensam a presença de outros humanos. Sinto até que o afastamento gradual é parente daquele sentimento de desencanto de quando nos damos conta que os pais não são realmente como imaginávamos. No fundo, é transplantar esse ensinamento para a humanidade toda. A isso chama-se crescer.

Conhecem ser humanos que não se envergonham ao declarar “gosto de pessoas"? Os meus pêsames. Tenho a sensação de que lhes falta informação. Que não lêem jornais, não têm internet, que viveram numa gruta isolados do mundo até então. Ou então estão a enganar-se a eles próprios. Se todas as pessoas são especiais, por que raio viajam? Por que raio não vão porta a porta, quais Testemunhas de Jeová? Desconfio que não conhecem as pessoas todas do seu bairro. Não ficava mais em conta? E o melhor disso tudo é que no final do dia podiam ir dormir a casa.

Há rumores que nos afiançam que há meia dúzia de pessoas no mundo que merecem a nossa estima. Não refuto. O problema é encontrá-las. É mais árduo que encontrar uma agulha num palheiro.
Será por isso que tiramos férias?
— Vou quinze dias a Marrocos a ver se encontro uma pessoa porreira. Preciso urgentemente de uma pessoa interessante na minha vida, assim como está não pode continuar, confessa ao círculo de ex-amigos.

É um investimento muito grande. É necessário ser fanático no outro para pagar uma viagem com a secreta esperança de encontrar alguém especial. Talvez por isso forcemos tanto os contactos quando viajamos. Queremos rentabilizar a viagem. Paguei milhares de euros para ir ao Japão, comenta o turista, urge fazer pelo menos 20 amigos, caso contrário é dinheiro jogado à rua. Daí que quando estamos de férias os outros pareçam logo mais interessantes, inteligentes, bonitos. Precisamos de acreditar nisso, caso contrário damos um tiro nos miolos. Tentem conhecer essas pessoas em ambiente de trabalho e não vos dou 5 minutos até se desentenderem. De facto, socializar de tronco nu a beber mojitos confere-nos a ilusão de que somos uma espécie de feiticeiros da amizade. Pensamos: “Bastam dois dedos de conversa para esta pessoa entrar na minha vida, uma vez que tudo o que sai da minha boca são pepitas”. Esquecemo-nos é que estamos a falar com um bêbedo. E o bêbedo, espero que isto não vos magoe, fala com qualquer um.

 

Viajar para conhecer novas pessoas, Roberto Gamito

 

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