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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

12.09.21

Cansado das coreografias diurnas, regresso a casa reptando qual lagarto, atravesso sem pausas para contemplações o matadouro e eis que alcanço o palco dos múltiplos enforcados: Ah!, a beleza das cordas com um único propósito. Esta é a hora mais antiga durante a qual o coração resvala rumo à metamorfose com o fito de reencontrar o início — a sua temporada de vulcão activo.

O esquecimento é a minha pátria, logo não vos sei contar se o rei ia nu ou enfarpelado. O teu corpo desnudo abre as pálpebras ao meu desejo — porra!, que despropositado.

As formigas percorrem o labirinto das tuas migalhas sem se deterem em nenhuma — és fictício como uma vitória no pedestal da extinção. Entretanto, a turba celebra uma paz sem legado.

À excepção do cadáver enfarpelado, não havia ninguém no espelho.
Do teu rosto ao rosto glacial do teu pai distam várias consultas no psicólogo pagas com o dinheiro ganho a esfaquear esta e aquela possibilidade de seres feliz.

Eis uma frase dissonante — o quinto martelo de Pitágoras — para assombrar o leitor: as cotovias guionadas, como que afónicas, a murchar diante de uma fogueira de sombras. Jogavas às escondidas no pequeno labirinto do quotidiano. No interior da casa de espelhos, ó tu que és uma legião, eras o rosário posto em reflexo nas margens do suicídio profético.

A sombra é viçosa sob os corpos ululantes de desejo dos amantes. Aquela noite foi a única noite da minha vida, cogitou o poeta antes de estoirar os miolos — imagem horrenda que mais tarde originou um quadro belo. À excepção daquela noite, a minha vida foi vivida sob o primado do refugo. Embora tenha descido ao vulcão a ponto de desfigurar a mão em lâmina, persiste sem conseguir alcançar o gume do nome de Deus.

Que faço eu diante do abismo? Sou vulcanólogo ou suicida? Mais um que deu um passo em frente em busca do legado — uma inspiração. Como legado deixou-nos: “Amei todas as alturas. Fiz-me faquir obscuro, andei sobre as áscuas sem auxílio divino; assim foi o meu caminho até ao círculo dos gigantes."

Ainda salva o deus inédito, no interior do qual soam sinos gigantescos? A mão cantante não sobrevive nestas condições, felizmente nunca saiu do papel.

Amanhã e hoje, cogita o suicida, são o mesmo dia. Nada havia dentro das palavras que pudesse usar como água. Perto dali, pássaros cantantes levam a cabo rituais de acasalamento no seio das cinzas.

Gastei a minha vida diante do templo do deus desconhecido, extenuei-me a dissecar a luz sem nunca encontrar alimento.
Pesam as frutas distantes no pomar do passado. Cansa descortinar o percurso certo quando os corredores estão apinhados de lâminas. Cansa soletrar esse nome cheio de espinhos.

O desencontro é a nossa religião. Entramos na vida adulta como animais num bosque de gumes.

Lei da Vertigem, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

10.09.21

Com a presente crónica, texto de carácter eminentemente pirotécnico, de alegrar adultos e escorraçar crianças, pretende-se, não sem modéstia, antes de mais, contribuir de forma decisiva para o marasmo vigente. Esta vidinha de missinha do meia dia, este clima de bosquejos de ressurreições e atmosfera de democracia a carvão e, sentemo-nos de molde a ganhar fôlego, tê-los no sítio — numa prateleira, qual texugo empalhado.

Uns esperam por D. Sebastião, campeão olímpico de escondidas, tão bom que não compareceu na cerimónia de entrega de medalhas — assim se vê quem leva a sério o seu ofício; outros, uma bela foda. Cada um com as suas esperanças, como palraria Américo Fortuna, burlão, empreendedor e amigalhaço do Diabo, se ainda estivesse morto. Seja como for, há quem afiance que já viu a cabecinha do salvador a assomar-se, rasgando em dois, qual Moisés cabeçudo, o nevoeiro.

L. ingressou no mundo desencantado dos hipsters após uma semana a sonhar a preto e branco. Epifanias com hálito a monotonia — cabrões, não têm sorte nenhuma na vida.

No pináculo de uma cadela monumental, o padre, António Cruz de seu nome, pastor ébrio para os amigos, confidenciou aos autóctones da taberna que, em alturas de crise, o sangue de Cristo era vinho de pacote.

Não tenciono insuflar a verga de sangue literário, porém o poeta, melhor dizendo o macho cantante, após a foda desastrosa, bacorejou: “creio que sou possuidor de uma verga beckettiana”. Sigo regiamente o mandamento: “falhar, falhar de novo, falhar melhor”. A cona, que havia feito a universidade de letras ou coisa que o valha, sorriu e desculpou a ineficácia do homem nas artes circenses.

Finda a temporada de actriz pornográfica, virou o cu para a lua, a qual prontamente a encavou com a sorte, e encetou uma nova vida de escritora de velhacarias. Cito de memória as suas palavras: “escrevo sobre pichas grandes, um género maior”. Aglutina, ao mesmo tempo, desejo e ficção.

Certo dia amei uma mulher — vejam lá ao tempo que isso foi, eu que carambolo qual bola despojada de livre-arbítrio entre a poesia e as pernas escancaradas mais à mão — e disse-lhe, sacando de uma prosa ensaiada de véspera: “É para foder ou é para conduzir burocraticamente a conversa nas calminhas até às raias do tédio?”
Respondeu-me no idioma do enfado e a picha murchou como uma rosa reformada. Os chapadões e os insultos vieram depois. E a mais não aspiro, que sempre fui humilde.

Nesse tempo, a minha vida era fazer tempo até ao jantar, com breves pausas para coçar os tomates, a fim de despertar a coragem que, reza a lenda, se acoita em tão misteriosos feijões, mas não tão misteriosos que nos levem ao reino do gigante.

Sara, a qual se fazia difícil, consentia que eu fosse lá escarafunchar às sextas-feiras e aos domingos. E lá tinha eu de me esfalfar no trabalho, chupar pichas em todos os departamentos, desde colegas a chefes, passando por desconhecidos (não queria ser malvisto) com o fito de me trocarem as folgas. Não recomendo a inexperientes. A mim não me custou por aí além: só sou vertical fora do horário de trabalho, é aí que guardo dois ou três quartos de hora para mudar o mundo — e tanta é a diferença que faz.

É incrível como poetas e filósofos, gente que faz as vezes dos comprimidos que visam combater as insónias, nunca se tenham debruçado sobre o seguinte: as conversas outrora desérticas frutificam à volta de um par de mamas — que volta e meia não vale grande chavelho. O homem transcende-se ao rés de um par de mamas.

O mundo, a desgraça do costume. Os políticos estão ao corrente da situação e prometeram não mexer uma palha. Até ver estão a cumprir.

Anúncio de emprego. Procura-se poeta com mais de um olho, preferencialmente três, já que estamos fartos de ver o que os outros vêem. Precisamos de uma visão inédita. Não entrem em contacto connosco se não tiverem atingido pelo menos 3 vezes o nirvana nos últimos seis meses. Ordenado um nadinha acima do limiar da pobreza, dado que o dinheiro não importa aos iluminados.

Chegou-me aos ouvidos que há uma foto onde deus amamenta uma hiena. Não sei como me pronunciar sobre isto. Aliás, sugeriram-me o silêncio, como sempre acontece nas democracias adultas — essa universidade de mimos que põe no mercado de trabalho pedreiros versados na construção de paredes invisíveis.

No sarau de poesia, digo poemas de Herberto Helder, mas a pensar no jantar.

O homem é como a psoríase. Dá-se-lhes a mão e eles querem logo o braço.

Não gosto de me masturbar ao som das músicas da moda. É tudo muito plástico, assaz passageiro. Prefiro masturbar-me com música clássica e cultivar o meu pau.

E por fim, os meus colhões, disfarçados de carapaus de corrida, partiram à aventura pelos mares jamais vindimados de Homero em busca de terras onde a coragem possa ser posta em prática.

Cabrões sem sorte, Roberto Gamito

 

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