Roberto Gamito
30.10.21
Júpiter é um planeta gasoso, eis o que aprendemos na escolinha. Em tempos muito recuados, foi um planeta semelhante à Terra, povoado de vida, pedrinhas e indignações. Há uns bons milhões de anos realizou-se a mais famosa feijoada cósmica. Segundo as palavras de um extraterrestre que recusou dar o nome, pois teme sofrer represálias, é um evento que ocorre de 3 milhões de anos em 3 milhões de anos, o qual reúne as principais figuras do cosmos. É muita gente, mesmo se juntássemos os dedos todos dos seres humanos, não esquecendo os dedos extra graças a Chernobil, ficaríamos com cabeças por contar. Reza a lenda que é o zingamocho do regabofe e da comezaina. Tudo se resume a um prato: feijoada, montes de feijoada. Por que motivo foi escolhido a feijoada e não outro prato, como por exemplo, o frango assado?
Sem vos insultar, refiro o seguinte: é muito difícil assar frangos para tanta barriga. A solução seria assá-los numa estrela, porém, é complicadíssimo arranjar alguém com habilitações para tal. Há quem faça uns biscates num estaminé sem certificações, todavia carece de traquejo a assar frangos em estrelas sem os esturricar. Ademais, a feijoada carrega uma carga simbólica que une todos os convivas. O universo, tal como o grão de areia a que chamamos Terra, é povoado por diversas quezílias, rixas e guerras. A maior parte delas originadas por motivos estapafúrdios.
Segundo um jornalista da galáxia Andrómeda, Abílio Verde, houve um planeta que desapareceu à parva. Um dia alguém cometeu a ousadia de gozar com um boné de um ser de uma galáxia vizinha. Não nos podemos vangloriar demasiado, há quem mate por um desaguisado à volta de um jogo de cartas, como a bisca ou a sueca. A nossa sorte é que o velho praticante de sueca não dispõe dos meios necessários de molde a pulverizar planetas, mas lá chegaremos.
Regressemos à feijoada. A feijoada é um diplomata com provas dadas. Durante uma guerra que durava há tanto tempo que os historiadores já haviam perdido a conta aos anos, surgiu um herói inesperado. Um extraterrestre-sopeira que, enfarpelado com uma bata aos quadradinhos brancos e azuis, atravessou o campo de batalha aos gritos com o seguinte pregão: “ou acabam com este barulho ou não há bucha para ninguém”. Foi um descanso.
Montou-se uma mesa gigante apoiada nos destroços e nos cadáveres e foi uma tarde bem passada a atestar panças, a afinar a língua em cantorias e a elogiar as patilhas dos adversários.
Doravante testou-se a mesma estratégia em todos os conflitos. À excepção do planeta Pitágoras, o ardil da feijoada pôs cobro a todos os enguiços bélicos. Não foi Deus, nem o diálogo, nem tão-pouco o intelecto que trouxe a paz, mas sim a notável feijoada.
Em pouco tempo erigiram-se altares em homenagem à feijoada um pouco por todo o universo. O facto de a Terra carecer desses altares só prova a imbecilidade da nossa espécie. Resta-nos esperar pelo dia em que um estratega militar troque a saraivada de balázios por um chuvisco de conchas de feijoada.
Regressemos ao que nos trouxe cá: Júpiter. Não é preciso ter frequentado a universidade para ter conhecimento de um dos efeitos de comer feijoada. O flato, o peido, o traque, o arroto anal. Aliás, a sua repetição. Não estamos a falar de um peido isolado que interrompe um clima sério com distinção, referimo-nos a uma arte — a sinfonia do peidinho. Se a reputação nos conduz à perfeição, podemos afirmar que é só uma questão de tempo até a feijoada transformar um ser imperfeito num traquejador sem falhas. Mas o inesperado deu-se: um peido em uníssono, as incontáveis bundas reuniram-se magicamente no mesmo som cheiroso. Foi um cataclismo de tal maneira inesperado, que criou uma nuvem fétida no interior da qual os peidos chocavam gerando peidinhos inéditos. Com efeito, ocorreu um fenómeno raro: peidos originados por geração espontânea. O peido havia-se emancipado do cu. O ar tornou-se irrespirável e o certame da feijoada foi rapidamente abandonado. Júpiter tornara-se gasoso de um momento para o outro. O peido reclamou a sua independência. Um belo dia para a liberdade?: eis a questão que divide pensadores de todos os cantos do universo.
Nos festivais que se seguiram, optou-se inteligentemente por limitar os lugares, sob pena de tornar inabitáveis os planetas. Em jeito de achega sumária, Júpiter é um planeta gasoso graças ao festival cósmico da feijoada.