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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

30.11.21

A arte é um espaço onde a prudência fica de fora.

A morte recusa-se a ficar quieta e com uma pose fotogénica diante da objectiva da escrita. Quantas definições existem? As suficientes para não as conseguirmos enumerar.

Diante da pele seca cogitamos: “O que é isto senão uma pele.” De supetão, recordamos a associação de Nietzsche, o factualismo está ligado à impotência para interpretar.

A minha mente não me permite ir além de uma pele seca. Não me escorracem do literal, receio perder o pé. Não riam, não peguem assim nas minhas fragilidades.

Nesta hora em que se semeiam ideias esperando que daí nasça algum caminho os algozes auscultam-nos pacientemente. A respiração aflita é uma sentença.

A arte, apesar de gigante, carece de espaço para o acessório. Assim sendo, o verso é um animal compacto.

Sou tão literal, que estou impedido de mergulhar.
Fui tão profundo, que esqueci a superfície.

Continuo perdido, eis um exemplo de honradez intelectual.

A arte é o abandonar do molde da convenção.
Para alcançá-la é simples: eliminamos as frases que não nos fazem progredir. Não sobrará nada.

Eis-nos diante do retrato de uma folha em branco.

Retrato de uma folha em branco

 


Roberto Gamito

29.11.21

Encontrámo-nos aqui graças à fuga. Pernoitemos neste momento e ganhemos fôlego para o que se avizinha. Resta-nos descortinar o padrão das fugas e paragens.

Precisamos de estar mais presentes no agora — esquecer por anos o futuro, esse enorme fardo.

O cuidado a dizer as palavras certas pela ordem certa é o mesmo que dedicamos a uma ferida com risco de infectar. Em todo o caso, o processo não é isento de dor.

Não tires os olhos das aves, nunca te esqueças da possibilidade de levantar voo.

Só o pensamento permite o avanço; a velocidade a que estamos sujeitos presentemente é uma performance. Nómadas postiços, eis o que somos.

No fundo, a cabeça é uma gaiola de possibilidades. São mundos embrionários transportados de um lado por outro como minúsculas aves domésticas.

Não há aqui uma relação de forças, não é o conhecido que se ajoelha diante do ignoto nem a fórmula que questiona o informe.

Como diz uma personagem de Musil: “É tão simples ter força para agir e tão difícil encontrar um sentido para a acção”.

Nómadas positivas

 


Roberto Gamito

28.11.21

Onde há pessoas Há merda

Podcast Onde Há pessoas Há merda

Podcast educadamente obsceno, virtuosamente sacrílego,
gritantemente libidinoso, sensivelmente humorístico, impossivelmente absurdo, assustadoramente parvo, esporadicamente genial sobre as investidas do acaso sobre as duas pessoas que dão alma a este sarau de comédia, a saber: Gonçalo Patrício e Roberto Gamito.

O ouvinte menos familiarizado com o mundo pode eventualmente equivocar-se ao mergulhar nesta tremenda obra, que é como quem diz, o diálogo povoado de pepitas destes dois comediantes. De facto, Onde Há Pessoas há Merda. Rir-se-á quando apoucarmos pessoas e castigará, à boa maneira de Gil Vicente, os costumes. Agradecemos o riso, mas isso não faz de nós amigos. Se aproveitamos o facto de o humor aproximar as pessoas é porque, no fundo, nos facilita o trabalho quando resolvermos mandar tudo pelos ares.

Gonçalo Patrício

Gonçalo Patrício, hoje reformado, foi durante muito tempo olheiro de certas partes femininas. Em tempos idos, era comum vê-lo na selva à cata de novas espécies de tetas. Ao contrário do javardão clássico, fê-lo propulsionado pela sua fome científica. Apesar de retirado, persiste como uma sumidade no assunto e hoje é comum vê-lo em palestras durante as quais tenta doutrinar os jovens sobre os benefícios de visionar um belo par de mamas. Há quem diga que foi expulso da Ordem das Tetas quando, num momento de fraqueza, sussurrou: “belo rabo!” Gonçalo consegue ver humor em tudo, excepto nas papas de sarrabulho. Durante a pandemia fez a tropa na Twitch e lá aprendeu o valor da amizade e do bom dia. As suas maiores referências são George Carlin, Joana Marques e Tiagovski.

Amigo do seu amigo e inimigo do seu inimigo. Nunca ganhou um giveaway e culpa a Pipoca Mais Doce por isso.

Roberto Gamito

Roberto Gamito é mais um repetente da escola da vida. Em tenra idade, foi puxado pela orelha pela mãe após ter profanado uma estátua com mijo. Desafortunadamente, não nasceu numa família de activistas e foi castigado com mil e uma palmadas no rabo.

A farpela de humorista não lhe assenta bem, e sempre que pode anda nu com um gorro na piça. A piça, tal como o velho, não se dá bem no frio. Prefere a verdade ao riso, o pensamento à gargalhada e o bitoque à sopa. Depois do exílio na universidade, regressa a Paris em 1974. Dez anos depois sucede, infelizmente, o seu nascimento.

Viveu na obscuridade e sem um tostão, qual albino de classe baixa, mas a sua obstinação fez com que ele alcançasse um estatuto invejável — o anonimato, pese embora tenha ganho momentâneo destaque com a obra Elogio ao Escroto.
É crente na santa trindade cu, mamas e pipi.

A sua inscrição tumular dirá tudo o que precisamos saber sobre este selvagem: “Mas que merda vem a ser esta?!”

O único podcast de humor português sem Patreon.

Podem ouvi-lo e aqui: 


Roberto Gamito

26.11.21

Bateu sete vezes no chapéu como quem realiza um ritual de exorcismo para escorraçar os ácaros, fitou-o até ao domínio do átomo e voltou a pô-lo na cabeça. Ao aproximar-se de um vulto, desabotoou a braguilha e segredou-lhe: “há que dar valor às pequenas coisas da vida”.

— Não estou para aí virado, ontem comecei a dieta do celibatário e não vou quebrá-la por tua causa.
— Deixa-te de conversas e ajuda-me a descalçar a bota.
— É uma bota que volta e meia regressa ao pé. O tesão é uma bota crónica, não te consigo ajudar.
— Um dia de cada vez.
— Mas por que motivo queres o tesão solucionado?
— Isto é demais para um homem só.
— Deixa-me dar uma vista de olhos. Ora alcança-me aí um microscópio.
— O que estás para aí a dizer? O meu bicho pertence ao domínio do visível.
— Duvido. Em bom rigor, o teu pénis pertence ao mundo do muito pequeno. Cientificamente falando, a mecânica clássica que tanto desejas é insuficiente para tratar correctamente esse tesão. Só lá vai com mecânica quântica.
— Há uma certa probabilidade desse cenário ser real. Aproxima-te de mim com ganas, vamos ensaiar a felicidade.
— Ensaios não é comigo, tenho traumas com teatros. Além disso seria necessário arranjares um subsídio para ir para a cama contigo.
— Não és capaz de ir para a cama comigo em nome da arte?
— Em nome da arte? Não, posso ser mal interpretado.
— Vamos calar-nos um bocadinho, pode ser que o silêncio gere uma atmosfera sedutora.
— Não te quero desanimar, mas…
— És a minha única esperança.
— Caraças, estás mesmo desesperado. Até me sinto mal negar-te o desfecho desejado.
— Queres dizer-me alguma coisa?
— Não insistas, não sejas teimoso, já disse que não.
— E se nos enforcássemos?
— Assim ficávamos ambos com tesão.
— Por isso mesmo.
— Caraças, tens solução para tudo.

E se nos enforcássemos?

 


Roberto Gamito

25.11.21

Enleado nos antigos laços da própria vida, era-lhe negado o voo. Rotas de seda metamorfosearam-se em rotas castradoras. Será que não tinha outra saída senão espernear até à última pinga de fôlego e por conseguinte consumar a asfixia?

Astrónomo amador versado no microcosmos da sua biografia hieroglífica. Passara anos a fio a tentar unir os pontos sem alcançar uma constelação digna de figurar nos manuais menos propensos à mortalidade. Monologava o seu norte numa língua morta. De resto, ficava-se às escuras no respeitante às rotas mais frutíferas da época. Dando cambalhotas entre as ideias mais apoquentadoras, ziguezagueando entre os pilares da lógica, sustentado de ambos os lados pelos demónios mais travessos, tropeçou no cadáver de Deus. A complexa anatomia do primeiro cadáver esquisito. Surrealista desde o princípio, cada homem adicionara uma parcela do seu medo ao cadáver do númen.

Não obstante a escassez de ventos benfazejos, ele atravessava as províncias da estupidez filosofando, com dificuldade, sem amealhar adeptos nem ouvintes, tentando em vão colonizar os espaços especulativos entre duas frases, e saía, não como entrou, erecto e convicto, mas curvado em virtude do fardo das expectativas goradas. Todas as veredas em direcção ao norte haviam sido cortadas. Nem futuro nem depois, tão-somente uma sala de espera em expansão.

Quem explorou as profundezas deste pousio insondável onde nada sucede fora do guião do destino, quem terá tido uma loucura suficientemente grande capaz de medir quantas braçadas é preciso dar no sentido de ir de um lado ao outro da tristeza colectiva?

Prosa cheia de recantos e escaninhos. Era um lamentável sucedâneo de um sábio, dependente de interpretações mais generosas. Era de admirar que, nesse fluído e ameaçado estado de coisas, o nosso personagem ainda fosse capaz de dar um passo em frente sem se desfazer em lágrimas. Terminemos por aqui. Apesar de embriagadora, a atmosfera é limitada por demasiadas ressalvas.

Enleado nos antigos laços

 

 


Roberto Gamito

24.11.21

Em As Leis da Estupidez Humana, livro de Carlo M. Cipolla, historiador, divide a humanidade em quatro grandes grupos:
1) desamparados, 2) inteligentes, 3) bandidos, 4) estúpidos.

Para vos fornecer a atmosfera do livro, o melhor será recorrer a uma bela citação: “A lei insinua que quer nos movimentemos em círculos de gente distinta ou nos refugiemos entre as tribos coleccionadoras de cabeças da Polinésia, quer nos encerremos num mosteiro ou decidamos gastar o resto das nossas vidas na companhia de mulheres belas e lascivas, temos sempre de enfrentar a mesma percentagem de pessoas estúpidas — percentagem essa que irá sempre ultrapassar as nossas expectativas."

Resumindo em linguajar de taberneiro, há estúpidos a dar com um pau. Não obstante as mais generosas estimativas, eles serão sempre mais. A par dos ratos e baratas, o estúpido é a espécie mais bem sucedida de sempre — preparada para viver em qualquer habitat.

A beleza do fenómeno da estupidez, ao contrário de outros fenómenos, é que não está confinado a coordenadas específicas. Não precisamos de nos locomover para zonas remotas do globo com o fito de observar e documentar o comportamento de uma população de estúpidos no Pólo Norte, nos Alpes ou numa qualquer floresta com meia dúzia de árvores. Onde quer que o Homem tenha chegado o estúpido veio atrás — e prosperará sem entraves.

Primeira lei da estupidez humana: existirão sempre mais pessoas estúpidas do que pensamos. É imediatamente observável, quer para falcões, quer para míopes. Haverá sempre o estúpido incontornável, aquele que manifesta a sua estupidez com alarde e sem sombra de dúvidas. Há-os como a fruta: de todas cores, feitios e sabores. Há o estúpido franco-atirador: aquele que aparenta ser inteligente, mas que no fundo apenas está à espera do momento certo para disparar a sua estupidez letal.
O escrutínio detalhado é, amiúde, um viveiro de estúpidos.
Se nos parecem poucos — e caso não frequentem o twitter —, deve-se muito ao facto de a velocidade do nosso século — a qual mescla estupidez e inteligência na mesma cor.

Segunda lei da estupidez humana: a proporção de pessoas estúpidas é invariável em relação à segmentação intelectual, social e geográfica. A segunda lei pode desconcertar os mais ingénuos. De facto, a estupidez não é característica de um determinado grupo. É comum vê-lo em círculos académicos, círculos onde se pavoneiam artistas postiços, em tabernas, em igrejas, redes sociais e por aí vai. Friso para desmontar virtuosos e racistas de um golpe: a estupidez não depende do grupo. Não é por mudarem de uma taberna para uma universidade que o número de estúpidos diminui.

Mas não avancemos mais, necessitamos da definição de estúpido para não cometermos, enfim, parvoíces. Segundo o autor, estúpido é alguém que prejudica os outros sem procurar qualquer ganho para si mesmo — contrastando com o bandido, o qual ganha algo ao prejudicar-nos. No fim de contas, o estúpido, o qual talvez sonhasse ganhar algo com a sua atitude, não é senão um bandido sem talento.

Terceira lei da Estupidez humana.
Uma pessoa estúpida é uma pessoa que causa perdas a outra pessoa ou grupo de pessoas enquanto ela própria não retira nenhum ganho de acção e pode até incorrer em perdas.

Um dos defeitos das pessoas inteligentes, por norma sensatas, é serem incapazes de perceber o comportamento insensato. Grosso modo, o estúpido rege-se por outras leis. O que revela que o inteligente nunca é tão inteligente quanto pensa: é incapaz de compreender a natureza essencial da estupidez.

O grande desafio da estupidez, como comentado belamente por Maxime Rovere em O Que Fazer dos Estúpidos, é sua obstinação e o seu movimento errático. Além disso, a estupidez tem o condão de possuir nas suas fileiras missionários incansáveis no capítulo da conversão. O não-estúpido está sempre a uma discussão de ser convertido, daí o sucesso dessa religião. A estupidez é imprevisível; enquanto biólogo desses animais, o inteligente não consegue criar um padrão entre palavra, acção e reacção. Nenhuma fórmula é capaz de engaiolar todos os estúpidos.

Chegámos à quarta lei da estupidez humana. Resumidamente, o não-estúpido (supondo a sua existência) subestima sempre o poder destrutivo do estúpido. Mais tarde ou mais cedo, a relação com o estúpido revelar-se-á um erro gigante. A quarta lei está intimamente ligada à quinta: "Uma pessoa estúpida é o tipo mais perigoso que existe”. Dito de outro modo: a pessoa estúpida é mais perigosa que um bandido.

É o estúpido — figura-mor do nosso século — que destruirá o mundo e não o bandido, este não teria nada a ganhar com isso.

Em jeito de achega final, creio que há um detalhe que passou despercebido ao historiador Carlo M. Cipolla e ao filósofo Maxime Rovere. A ficção e os círculos concêntricos de estúpidos. Ao formarem comitivas de estúpidos, a estupidez consegue ficcionar o ganho. Em tempos idos, a ficção do ganho e o ganho seriam abissalmente diferentes. Porém vivemos num mundo conturbadamente pós-moderno, no qual hierarquias e fronteiras foram dinamitadas. A ficção, qual Genghis Khan em cima do cavalo da desinformação, conquista a pouco e pouco todos os terrenos da realidade. Ao fugir desses factos, os quais tanto o angustiam, o inteligente é convertido.

Bem feitas as contas, o estúpido continua a prejudicar-se e a não ganhar nada. Seja como for, não desprezemos o valor da reputação nos círculos de estúpidos.

 

As cinco leis da estupidez humana

 


Roberto Gamito

23.11.21

— O que te veio à cabeça quando me viste nu pela primeira vez?
— Confesso que a minha primeira reacção foi ficar maravilhada. Isto é que um homem!

O diálogo arrastou-se penosamente durante várias horas sem que daí saísse uma deixa digna de elogio. Ele tresanda a puta, gritou um dos personagens, não me perguntem qual, não me afeiçoei a nenhum, enquanto fitava com olhos de fome o pau eriçado do seu compincha de lides sexuais.
É a atitude expectável, dirá o sábio leitor, ninguém quer ficar com as sobras. De facto, a questão que orbita em torno de todos os rituais de sedução não é senão esta: o que terá acontecido a esta criatura desgraçada para se abalançar em tão tristes figuras?

Hás-de fartar-te de fazer coisas comigo, eis o que vai na cabeça de um dos personagens, mas até lá continuamos aqui, rígidos na nossa pose de animal civilizado. Praticamente imóvel do início ao fim das nossas deixas, olhos sem pestanejar durante os parágrafos mais infernais. Cautelosos e sem experiência, ingressamos na cena escaldante com os olhos postos no guião.
O ser humano é uma criatura patética. Promete-se o minete numa língua enferrujada.

Horas antes.
Diante do espelho, aprontamo-nos como quem prepara uma personagem para entrar em palco. Reinventamo-nos pela milionésima vez; arriscamos uma combinação — já tentámos tudo, mal não há de fazer.

Entrementes, somos outros. Por que não damos as mãos como costumávamos fazer na adolescência? Questionamo-nos o porquê disto tudo já o romance vai a meio. O início é pautado por muita tesão, o qual amiúde transborda do molde das palavras. O tempo passa e não nos aperfeiçoa. Eis uma proposta de diálogo antes do zero absoluto:
— Fodemos?
— Deus queira que não.

O princípio, o meio e o fim

 


Roberto Gamito

20.11.21

— Às vezes ouço passos. Vozes. Carros. Achas que estou a ficar maluco?
— Não, tens a casa mal isolada. Já viste a espessura das tuas paredes? Parecem primas obesas das folhas de papel.
(Respira de alívio.) Ao menos uma boa notícia, estou são do miolo.
— Também não nos precipitemos.
— Sempre fui assim, tímido, agachado como uma mulher aflita, no meio do bosque, a arranhar um refrão aos quatro ventos com o fito de me acalmar.
— Às vezes tenho a impressão de que o mundo encalhou.
— Digo uma coisa e tu nem reages? Então? Trabalha-se ou brinca-se?
— Só estou aqui para tratar da minha carreira. Se a tua deixa não me alavanca, faço de conta que não te ouço e parto para outra.
— Achas que isso contribui para a conversa?
— Um saquinho cheio de nozes, no meio do caminho, um rasto de pólvora e um esquilo atado a uma cadeira minúscula.
— Não faço nada de ti.
— Resumindo, recebera a notícia em má hora, já tinha a cabeça dentro do forno do fogão quando me batem à porta. Adiei o suicídio, um gajo nem em casa está descansado. Contaram-me que a minha mulher havia morrido atropelada por um burro e por uma ambulância. Segundo eles, fora primeiro atropelada por um burro, fenómeno normal quando nos passeamos nas ruas desta vila medieval sem cenouras nos bolsos. Como um mal nunca vem só, quem vinha a guiar a ambulância vinha também a fazer scroll no Instagram — sabes como é a malta nova, não consegue estar dois minutos sem olhar para o cu de uma influencer.
— Nisso estou com os jovens, há que dar valor ao rabo.
— Cala-te, não interrompas o meu monólogo. E atropelou a minha patroa.
— Resumindo, e esquecendo a lógica, a tua patroa foi assassinada pelo cu de uma influencer?
— Preferia que não me fizesses perguntas, ainda me estou a tentar recompor: fiquei proibido de conduzir ambulâncias.
— Mas eras tu que ias a conduzir?
— Não, não era, mas apetece-me contar a história assim.
— Não é um bocado macabro refazeres a história pondo-te no lugar do assassino negligente?
— Tudo por uma boa história.

Teatro ou outra qualquer coisa qualquer, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

19.11.21

Joel Ricardo Santos

Novo episódio de Tertúlia de Mentirosos.
 
Joel Ricardo Santos. Humorista.
 
Deambulámos por uma enormidade de temas, a saber:
Cantor pimba na Suíça, o porquê de Joel Ricardo Santos, a tensão diluída na comédia actual, Joca e o expulsar do palavrão do texto, fazer piadas com terras portuguesas, diferenças entre comediantes de Lisboa e do Norte, “estar associado a”, o jogo perverso do networking, lotaria das percepções, tour Temos de Marcar um café, primeiro espectáculo durante a pandemia, bar de merda, o papel da Vertigem, stand-up em casamentos, selvagens no público e jogo de sensibilidades, ser bom e parecer bom, o humorista e o trabalho, conteúdos para a internet, novo projecto para o YouTube, grupo e choque de visões, actuar em festivais...
 
(Partilhem, sigam o Tertúlia de Mentirosos no Spotify e dêem 5 estrelinhas no itunes)
 
Podem ouvir o episódio aqui ou noutra plataforma de podcast.
 


Roberto Gamito

19.11.21

— Não cantes.
— Não estou a cantar, camarada.
— Eu conheço-te, vi na tua cara esse olhar que antecede a cantoria.
— Já nem sequer se pode cantar?
— Podes, mas é preciso ter uma licença especial. Tens de te convencer que cantar é uma arte reservada a poucos, não pode estar entregue a qualquer vagabundo.
— E no banheiro?
— Só se não perturbar o vizinho.
— E na rua?
— Só se houver mais de três cães a ladrar à tua volta.
— Três cães a ladrar?
— Exacto, três cães a ladrar abafam o canto e o fiscal da cantoria deixa passar.
— E se for um tenor num dia mau?
— Tem de apresentar uma justificação. Anda aí muita gente a passar-se por tenor.
— Quem me diz a mim que não é um gajo que bateu com o dedo numa pedra e se pôs aos gritos? Há quem aproveite o grito para começar uma carreira de tenor.
— Parece-me estapafúrdio.
— Acredita, são os chamados oportunistas do grito. Há muitas saídas profissionais para quem aprecia gritar e guinchar, a saber: carpideiras, fadistas e activistas das redes sociais.
— Posso citar alguém ao calhas sem mencionar o autor?
— Força, estamos cá para isso.
— Os animais que degolamos…
— Apanhei um torcicolo só a tentar alcançar a referência.
— Deixa-te disso. Não saber, não saber ao certo, dizer coisas à queima-roupa é uma grande bênção. Se eu pudesse era imbecil como tu.
— Palpita-me que percorreste em bicos de pés o corredor dos elogios de modo a não acordar nenhum.
— Qual é aquela tirada imortal que fica sempre bem em qualquer diálogo?
— É boçal?
— Depende da apreciação.
— E se fosses para a cona da tua mãe?
— Acertaste, não falhas uma, passaste ao lado de uma grande carreira de telepata.
— Posso bater-te?
— Se me quiseres bater, bate-me agora. Daqui a bocado tenho de sair.
— É isso que eu gosto em ti: a disponibilidade para levar na pinha. És raro.
— Estima-me, meu caro, estima-me que eu não duro sempre.

 

Teatro do Amanhã

 

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