Os contos de fadas estão apinhados de castigos, a saber: um barril de pregos onde punham mãe e filha lá dentro, alegadamente más, após o que atestavam o barril com mais pregos e empurram-no encosta abaixo até cair no rio, eis um belo costume do século XIII; o pai fechava o filho no túmulo junto ao cadáver com o fito de ressuscitar o filho morto (e com belos resultados, o que prova que os pais têm sempre razão); mãe que tem doze filhos e promete matá-los a todos caso nasça uma filha. Enfim, era um tempo feliz onde os pais podiam abandonar os filhos sem arranjar sarilhos de maior.
Nos contos de fadas, a mãe, regra geral, é má, uma espécie de bruxa não praticante, ao passo que o pai é um banana praticante incapaz de se opor à mulher. Atentem no conto de Hansel e Gretel: a mãe dos garotos chegou à conclusão que o melhor era despachar os putos e abandoná-los na floresta. Não há pão para todos. É deixá-los lá que a floresta está a abarrotar de animais selvagens. Só serão comidos se acaso não se transformarem numa espécie de Mogli. Mais uma vez a importância do Networking. Saber falar com os bichos é crucial se quisermos sobreviver nesta selva. E é neste ponto em que os pais actuais suspiram: “Que sorte, abandonar catraios sem consequências; são tempos que já não voltam”.
A estória é conhecida de todos. São deixados na floresta, mas o putinho é precavido e encheu o bolso cheio de seixos brancos, pelo que regressaram a casa após uma soneca. A mãe, que podia ter ganho um óscar pela representação, disse: “Seus malvados, ficaram tanto tempo a dormir na floresta que nós já julgávamos que não voltavam.”
Na segunda tentativa, a mãe fechou a porta de casa, impedindo o putinho de juntar mais seixos brancos, pelo que este optou pelo pão que os pais lhe deram. Ora, o pão, ao contrário dos seixos, é muito do agrado da passarada, pelo que foram inábeis em encontrar o caminho de regresso. Em vez disso encontraram a casa da alegada bruxa, uma casa que era feita de pão e coberta de bolos.
Ora, o que os putos encontraram foi uma padaria no meio da floresta. Como é sabido, a padaria é dos negócios mais robustos, até no meio da floresta a vender pães com chouriço aos pardais é possível manter o negócio.
O que estes selvagens em miniatura disseram? “Vamos mas é comer a casa.” A garota disse algo como vou atirar-me ao telhado e aos vidros. Aos olhos de um meteorologista, estamos à assistir aos primeiros passos de duas tempestades tropicais.
Uma casa de pão. Uma coisa é certa: esta estória não aconteceu no Alentejo, caso contrário a suposta bruxa seria sem-abrigo. Não descanso enquanto não confeccionar uma açorda com esta casa, exclamaria o primeiro campaniço que a encontrasse.
Por que raio não apareceu ninguém para salvar as crianças? Estão enganados, passou por lá malta do Crossfit. Porém fugiram assim que repararam que a casa era feita de hidratos.
O ponto tenso desta história reside na altura em que a Gretel (Margarida ou Maria) acredita ver no gesto da bruxa, quando ela a incentivou a olhar para dentro do caldeirão, o prelúdio da sua morte. Num gesto digno de Gato das Botas, fez-se de parva e pediu à alegada bruxa para ser mais específica. Empurrou a velha — o que lhe provocou a morte. Mas e se tudo não passou de um erro de percepção? E se velha era pasteleira e só queria ensinar os putos a cozinhar? Vocês sabem como são as crianças, vêem coisas onde não existem (não se esqueçam que são as mesmas que foram incapazes de perceber a intenção dos pais).
O que é mais verosímil: uma pasteleira no meio da floresta ou uma bruxa-padeira canibal?
Como se isso não bastasse, rapinaram as pérolas da suposta bruxa, aliás, encheram os bolsos. Estamos aqui diante três crimes: 1) destruíram a casa de pão da velha, 2) mataram a velha, 3) larapiaram as pérolas da velha. Num país justo, apanhariam uma pena pesada.
Após o saque, encontraram um pato que os conduziu de novo até casa. A questão que importa: o pato é seu cúmplice? O certo é que chegaram a casa. O pai recebeu-os de braços abertos, sendo que a mãe já havia morrido. Bem, se calhar foi comida literalmente pelo pai. O pão havia acabado, se bem se lembram. E viveram felizes para sempre os filhos abandonados e o pai canibal. Felizmente não havia psicólogos na altura, caso contrário gastariam todas as pérolas em consultas.
Mas isto não acaba aqui: vamos ao último parágrafo do conto tantas vezes ignorado. “Assim acaba o conto e ali corre um rato tonto. Apanhai o tratante e com ele fazei um boné elegante.”
Nem sei como começar. São milionários, podem comprar tudo o que quiserem com as pérolas, mas a primeira coisa que se lembram ao se cruzarem com o rato é: este animal dava um belo boné. Fica provado que os maus da fita nesta história eram Hansel e Gretel, a bruxa era inocente, a mãe tomou a decisão certa de os abandonar e pai era canibal e interesseiro.
![Hansel e Gretel]()