Roberto Gamito
27.10.22
O trajecto era simples: passar pela frase de Francis Bacon, o filósofo, a saber: aquele que não quer pensar é um fanático, aquele que não pode pensar é um idiota, aquele que não se atreve a pensar é um covarde; de supetão, rumar, aos solavancos mas cheios de ganas, para um dos quadros asfixiantes de Francis Bacon, o pintor. Não vou fingir que sou seu amigo, leitor que trocou as linhas pelo layout da foto para o instagram, ó tu que trocaste o filtro pelo abismo, não confundam arte com camisolas de lã, só há espaço para a ficção adiabática, são caminhos para lado nenhum. Na minha opinião, que ninguém pediu, as grandes mudanças decidem-se na mesa do acaso, para espanto de ocidentais e orientais.
Desde que principiei a empregar a expressão "calçar os sapatos dos outros" já não consigo empatizar com ninguém, salvo palhaços e jogadores de basquetebol. Calço o quarenta e seis e não vou, qual falsa dona do sapato de cristal, à semelhança do conto original da gata borralheira, cortar os dedos para que caiba na perfeição. Deus me livre de acreditar na religião, era sinal que me havia rendido. Ameaçar muito e não concretizar nada, a taberna apinhada de ditadores sem meios.
Quanto ao escrutínio da piada, seja ela qual for, venha ela de onde vier, o humorista só pode ser levado a sério quando se reformar.
Como o nosso século é pobre em homens de miolo livre, foda-se, Deus, dai-me paciência, mas não agora, de momento preciso que a raiva me consuma. Acolhemos nos nossos braços a lenda caquética do futuro, e sem prejuízo nenhum para os factos, coitados!, só sabem ser aquilo que são. Se por um lado nos acode à memória o filósofo do farto bigode com a sua célebre frase: "não há factos, só interpretações" e nem ele foi capaz de adentrar no oceano desta descoberta, por outro, temos Machado de Assis: "Proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as já achadas por outros".
Afinal quem é este que habita o meu nome? Fanático, idiota ou covarde? Adianto uma hipótese: rei pálido no centro deste movediço império das aspas. O homem partilha o nevoeiro com o cadáver de Deus, o amor, a morte, o infinito e os demais exércitos liliputianos de preocupações.
Somos tão pequenos; no entanto, farejamos o infinito.
Segue-se uma entrada do Diário de Deus.
Estive este tempo todo a caçar com fiéis cães empalhados. É continuar, equipa que ganha não se mexe. Detesto caça, é mais pelo humor de ver os perdigueiros verticais ficarem malucos quando sentem o rasto do infinito. É uma espécie de piada eterna. Como é inglória a vossa demanda, ó meus queridos cães empalhados.