Roberto Gamito
31.07.23
O cansaço tem sido o meu maestro nos últimos meses. Não é tarefa fácil escrever quando o cansaço faz as vezes da gravidade e puxa as pálpebras para baixo. Por outro lado, no mundo ao lado da folha, tanto gesto e nenhuma dança. O movimento é a grande ficção desta economia global. Vivo uma realidade de tarefas repetitivas que me esvaziam e não me aperfeiçoam. Em qualquer empresa há uma ameaça de descarte. Olho-me ao espelho e vejo um objecto. Em boa verdade, lá vou escrevendo, amiúde nos cafés e tabernas, ocasionalmente em casa, os montes de cadernos espalhados pela casa dão disso testemunho. São colecções de pontas soltas, sobras de vidas incendiadas, biografias de eus abortados, tentativa de trazer a pólvora à tona das linhas. É o meu ritual de purificação. Começo a duvidar da sua eficácia.
Da idade adulta nem sei o que vos diga. Houve um período de inocente entusiasmo, mas durou pouco. De resto, um sem-fim de estímulos que não exigem envolvimento duradouro — uma venenosa maravilha. Findas essas ilusões, regressa o cansaço desses dias sempre iguais que nos sepulta na cama num casulo de lágrimas e frustrações. O passo seguinte é incansavelmente sabotado pela inércia intelectual, o verdadeiro salário do homem contemporâneo.