Roberto Gamito
07.01.24
A paixão é uma experiência cinética — um movimento que celebra um sem-número de apeadeiros por onde o calor passa a todo o vapor. Tanta coisa ficou por perguntar e outra tanta por responder; principiamos a abrandar, a pôr o mapa de lado, atiramos os santos pelas janelas do carro e enviamos piretes ao destino. Ao espaço e ao tempo deixamos as peles secas. O final está ali, à espreita, todo fome e mandíbulas.
O artista pequenito começa a escalar, como quem não quer a coisa, pelo tornozelo da sua musa, vemo-lo a congeminar patifarias eufónicas, quer dizer, poemas feitos de fôlego de vidas desperdiçadas, vemo-lo, presumivelmente, destituído das máscaras do dia-a-dia, catapultamo-lo para o palco improvisado pelo olhar, o qual desceu pé ante pé pelo declive que liga o marasmo do quotidiano ao decote perfumado. Suspirou com vagar, parafraseando uma actriz de cinema. Dias ou meses mais tarde, desencarcerará desse instante palavras como beleza, bebedouro, energia, indizível. Ao rés desse episódio que não vingou no mundo, regressamos ao zero absoluto. Depois, ziguezagueamos até casa atirando o norte para trás das costas.
Não me difames assim tão facilmente. Quando me vim, não sabia o que pensar do orgasmo. À primeira vista, era um território despovoado de palavras. À medida que a temperatura arrefecia, as palavras reclamaram o espaço quais ervas daninhas. Doravante parodiarão a Idade de Ouro.
O poema sobre o orgasmo, lamentava-se o poeta, ninguém tinha interesse em ouvi-lo. No entanto, para escutar o orgasmo, não faltavam ouvintes. É muito sensível, não é? Ao humanizá-lo, ao ver nele, no orgasmo, prateleiras apinhadas de legendas, sufocamo-lo. Mas isso não é grave. O pior é não sabermos o que fazer com o tempo que nos resta.
Durante muitos anos tinha sempre um livro onde me refugiar. Ignoro se sou eu que cresci, se são os livros que minguaram. Uma coisa é certa, durmo com o rabo de fora — e isso não é bom. Não é bom para mim, que me constipo, nem para a literatura, que não faz puto.
Tencionava replicar esse desconforto noutras coordenadas. Não tínhamos dinheiro, nem tínhamos fome. Víamo-nos uns aos outros como pipas resignadas onde a frustração fermentava longe dos olhares. Um dos meus maiores arrependimentos, diz o velho, é ter dito não ao Diabo; serviu-me de muito.
Alguns fados, uma canção desasada e um homem depenado às voltas do microfone como quem procura o nome da musa debaixo da língua.