Roberto Gamito
01.08.21
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Roberto Gamito
01.08.21
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Roberto Gamito
08.06.21
Tertúlia de Mentirosos com Marine Antunes.
Deambulámos por uma enormidade de temas, a saber: paixão e amor, mau feitio, treinar o elogio, o cancro ensina-nos alguma coisa?, cancro com Humor, novos projectos, abraçar novas experiências, o falhanço.
Podem ouvir o episódio aqui ou noutra plataforma de podcast.
Roberto Gamito
08.04.21
Este texto não é uma crónica. Será que podemos, sem nos desmancharmos a rir, encarar isto como um presságio? Não faço ideia, faltam-me cadeiras para acabar o curso de profeta. No entanto, cá me arranjo, sei ler a sina. Ai sim, responde ela paulatina, é verdade, retruco eu de pau latino. Lê-ma enquanto me dispo, pode ser que o tesão ressurja.
Enquanto uns se empenham a catolizar o mundo, outros dedicam-se a capitalizá-lo. Às vezes, o nosso amigo cientista entusiasma-se ao rés de uma grande descoberta e solta as cobaias. Quando se dá conta do equívoco, recomeça de novo.
No sexo, embora trabalhador, o pénis é o único fulano isento do dever de picar à entrada e à saída. O que seria? No mínimo, seria burocratizar o acto de pinocar.
Falofórias — rituais gregos para celebrar a verga — ou falatórios em redor do pau. Até ao momento, ninguém me passou para as mãos um pé-de-cabra nem me ensinou o ponto onde se deve exercer força ou ousadia quando chega o momento de arrombar umas pernas. É tudo muito tentativa e erro e sem mostras de melhorar no campo da eficácia. A fazer fé nos boatos que se ouvem nos subterrâneos destas linhas, a solidão apossou-se do escriba. E vocês, provavelmente, estão-se nas tintas para estas histórias.
Continuava a patrulhar o horizonte com os olhos piscos, vencidos do álcool, como se esperasse ver algo surgir, sereia ou tesouro, vida ou morte, e eis que a mulher entra de rompante na sua vida, que é como quem diz, no bar. Foi aqui que pediram o belo do broche? Sim, exclamou o desgraçado entrapado, queimando os últimos cartuchos da esperança.
Empenhada em capitalizar a anca, comunicou que não se importaria de ser comida. De seguida, riu-se, é uma brincadeira, concluiu, e os homens ficaram com um cabeção tal que o bar parecia a Ilha da Páscoa.
Roberto Gamito
07.04.21
A mão ignora, feliz da vida, a existência de um escriba arruinado. Em jeito de aparte mas com voz de protagonista, o rodapé declara: se não tivermos cuidado, toda a nossa vida pode converter-se numa enorme bagunça. Se Deus se dignasse a aparecer à minha frente, era capaz de Lhe perdoar tudo. Graceja, graceja.
Ó mãe destas linhas grávidas de solavancos e cotovelos, não estarás tu a enganar-nos? Eu bem tento, porém não vos consigo passar a perna. São demasiado astutos para mim.
À parte isto, não pretendia vadiar por aí de onda em onda qual golfinho solitário a chegar tarde e a más horas aos cardumes de peixe miúdo. Onde se lê peixe miúdo deve ler-se acontecimentos ou dias, postularão os exegetas.
Não tenho tempo para outras palavras que não as minhas, são as mais fortes do meu arsenal. Longe ou perto do cadafalso, não contem comigo para, num assomo de fraqueza, comunicar: “estas palavras são demasiado fortes para aquilo que tencionava expressar”. No que depender de mim, nunca diluirei a língua em fanfarras passageiras e procissões duradoiras. Se me querem deslindar, terão de me ouvir como quem se espuma ao descobrir que foi envenenado.
Infelizmente, não podemos dedicar-nos totalmente ao amor; como sabem, não paga as contas. Sobram-nos, na melhor das hipóteses, espectáculos exóticos para entreter pupilas desmioladas.
No princípio, uma cabeçada numa pedra. Amnésia, segundo li ou sonhei, é não sabermos quem somos e querermos desesperadamente saber. Como reverter a amnésia? Não está fora de cogitações dar uma cabeçada em todas as pedras do mundo. Quem sabe. Seja como for, pior não há-de ficar. No fundo, tudo se resume a isto: ficar ou fugir; resistência ou aceitação. Quem és: uma criatura acocorada ou um animal vertical? Não respondas já, não te precipites, só tens uma hipótese.
O monstro está demasiado grande. Não há Hércules nem Héracles que nos salvem de tantas cabeças esfaimadas. O computador, melhor dizendo, o teclado não pára de latir. Recordo-me do ruído terapêutico da máquina de escrever. Como uma gelatina e retomo o ruído. O médico tirou-me a bebida e levou-me o cérebro. Seja qual for a linha, seja qual for o autor, não há lições a retirar. Em todo o caso, a natureza ensina-nos o seguinte: os animais mais nobres são sempre os mais fugidios. Entretanto, o engodo é aperfeiçoado. Estamos de regresso a casa por um trilho diferente: o verbo amar mostra-se invulgarmente hostil. Não se deixa conjugar facilmente.
Roberto Gamito
28.01.21
E se agora, na desordem da minha mente, ao contemplar de forma animal uma mulher, me metamorfoseasse em poeta? De costas voltadas para a minha biografia, dou comigo a afirmar: Não há mulher, não há animalidade na visão — mas já houve, os livros não me deixam mentir —, não há nada — apenas uma selvajaria postiça ao sabor da respiração, melhor dizendo, uma embriaguez vazia, sem pés nem cabeça à qual o temor e tremor, a morte e a vida, os limites da mão, fazem as vezes das musas, hoje cadáveres destroçados. Viro os meus pesadelos uns contra os outros e assisto, de olhos fechados, à matança.
O coração nunca é uma casa, é um estaleiro naval onde a memória coordena as entradas e saídas dos nomes.
Nesse lugar de chegadas e partidas, assolado pelas mais altas fantasias, que é como quem diz, no limiar da razão, aquele que reflecte no porquê da respiração acelerada descobre que já não há futuro. Trânsito de navios-fantasma, fora os nomes que à época eram prementes e se afogaram no esquecimento entretanto.
A paixão abre à minha frente um cadafalso que me atrai e é familiar. Preparo-me para a morte como das outras vezes: coração nas mãos, cabeça no cepo.
O artista é aquele que espera enquanto foge. É um simulacro de pensamento, típico deste século a cair aos bocados.
Como escreveu Georges Bataille, é necessário ter coragem e teimosia para não perder o fôlego.
Sem ar nem vida
cheguei ao teu corpo
noutra língua.
Em sucedendo, mesmo que seja pela via da imaginação, o gemido enfatizador dessa fantasia pode, se alcançado o cume da liberdade, ser o prelúdio de uma obra capaz de vergar estantes.
A simpatia polivalente no mundo dito real (a indignação nas catacumbas) põe certamente em evidência a nossa impotência em nos transcendermos. Olhamos à volta, como um animal apático após matar o rival, sem que nada nos desperte o interesse. Abandonamos o cadáver pondo para trás das costas o acto que lhe deu origem.
Fora da esfera da carnificina, regresso à arena onde as palavras que não disse me mordem e esbofeteiam e cabeceiam. Afinando o quadro para o espectador míope, posso dizer-vos que sou o homem nu ao redor do qual as palavras que fui incapaz de dizer na altura certa — palavras mágicas? — cospem em coreografias de humilhação o meu fado. Os livros, uma vez que se devoram uns aos outros, são de espécies diferentes, de forças distintas. O mesmo sucede com os dias. Há dias capazes de me engolir de supetão, enquanto outros se contentam com carícias.
Não existe, do Homem feliz àquele que é devorado por ideias suicidas, uma relação sincera com o mundo. Inevitavelmente, aos olhos de um sábio, somos crianças embeiçadas por paraísos artificiais, os quais, a cada ano, são aperfeiçoados para que não nos apercebamos da patranha da miragem. De pé ou de joelhos, o Homem, esse simulacro de Atlas, deve recusar-se a ser visto como uma coisa. Nem que dê a vida por isso.
Roberto Gamito
27.12.20
Coração, morada das mais obsoletas tangas. Sem pinga de receio, o homem imaculadamente bêbado profetiza a rixa que há-de vassourar mesas e cadeiras da esplanada, dispondo-as como que artisticamente no passeio. A conversa cresce em mal-entendidos. Na orla da futura escaramuça, homem e mulher negoceiam intenções quanto à guerra que se irá travar logo à noite numa província isolada.
O velho, que por vezes sobrevive às transações entre a luz e a sombra, chamava o polícia de Zé da Boina.
Alfabetiza-se a carne quando a palavra é aquecida pelo lume do tesão. Procurar o gemido mais eufónico de modo a afinar o coração.
Quando pequeno, entrava no mar para escaramuçar com o oceano. Mergulhava de cansaço minutos depois, como se ensaiasse a sua própria morte.
Animais sem nome de apetite ecléctico. Uma frase antiga roída da crítica. Compete-nos pôr cobro aos incómodos, suavizá-los numa prosa de enamorado, não denegrir cumes nem enaltecer sopés, linguarejar com uma postura de quem veio para ficar.
Homem magnificado pela paixão, logo bestificado pela separação. No delta da apoquentação, poesia, suicídios e uma maré de hieróglifos.
O Homem despenha-se na sua própria vida, uma queda aperfeiçoada dia após dia, não devendo nada ao falcão.
Roberto Gamito
01.12.20
Talvez nos tenhamos tornado demasiado lentos, demasiado sérios, preguiçosos, lunaticamente embrenhados nas certezas adquiridas na candonga para ver o mundo com outros olhos. A ideia de que o mundo pode ser outra coisa apavora-nos. Refugiados no nosso castelo de cartas, onde enceleiramos as nossas noções sobre mares e terras, aves e árvores, pessoas e demónios, repetimos numa prece tartamudeada que somos reis e senhores deste cosmos raquítico. Usamos o cinismo a sangue-frio.
Todavia, em momentos de maior clarividência, gostaríamos de ter a oportunidade de sorrir e experimentar sem engulhos a ingenuidade da criança. Agarrar no mundo sem manias nem fórmulas, ser um romântico, idealista ou utopista de joelhos esfolados. Ao enjeitarmos a via de um novo olhar, damo-nos conta do nosso compromisso com o lado sombrio da existência. Essa atitude de recuo diante o novo olhar mina-nos até aos ossos. Somos incapazes de nos despojarmos das antigas peles.
Volta e meia, não sei se por obra do acaso, se por obra do destino, cruzamo-nos com jogadores viciados na aposta sentimental. Apesar de exibirmos um semblante rígido, um tudo-nada pedante, um tudo-nada narcísico, (a mentira de que sabemos tudo transformada em ópio), surge alguém dos arrabaldes de um verso forasteiro, perfumada e doce, selvagem e inesperada, apostando que há mais para além da pose de gárgula toda bazófias, lançando um palpite preciso sobre quem se acoita debaixo de tanta pedra. O amor é uma espécie de Miguel Ângelo. É quando, ao olhar para o outro, logramos ver a estátua enterrada no mármore. Finalmente chegamos à tona do mármore, como se regressados do inferno. A face adquire feições antigas, tornamo-nos ávidos consumidores de vida. Glutões do palavreado, viciados em perfumes que nos enobrecem. É arte, é magia, é o Homem renascido graças ao olhar novo do outro.
Roberto Gamito
21.11.20
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