Decorridas estas décadas de vida sofrida durante as quais percorri de gatas o trilho da penúria sentimental, continuo sem perceber a razão pela qual a comunidade gay não se apropriou do belo ditado “o pássaro madrugador é quem apanha a primeira minhoca”.
Não é que se possa fazer grande coisa pela saúde — leia-se reputação — da frase anterior, mas ao menos podia desculpar-me dizendo que tenho séculos em cima do lombo e, tal como o idoso, gozo de uma imunidade que me permite zombar de tudo.
Cá está um mentecapto, pensam vocês. Segue-se um diálogo. Se perguntarem por mim, estou no twitter a salvar o mundo.
— Haja companheirismo neste mundo que só está bem a desintegrar a irmandade da verga.
— Podias explicar-te melhor? Necessito de mais pistas para saber do que falas.
— Vamos lá ter calma, senhor detective. Um gajo já não pode desabafar hieroglificamente?
— Poder podes, mas dessa forma estou impedido de contribuir para o diálogo satisfatoriamente.
— Tens mesmo cara de quem contribui para diálogos.
— Podias não me enxovalhar?
— Calma, meu vândalo de monólogos. Vens para aqui todo lampeiro a interromper este caudal verboso de maravilhas com o bigode a tresandar a virilha de taberneiro octogenário e não queres levar uma palavrinha mais azeda como paga. Vê se cresces, pequenote.
— Assim não há condições para termos uma conversa saudável.
— Mais um oportunista da toxicidade espontânea. Vai choramingar para as redes sociais e não me torres o miolo. Já me tinham falado de ti, corre por aí um boato que és um palerma.
— Preferia não me pronunciar quanto a essa temática.
— Lá está, o boato tem sempre, pelo menos, um grão de verdade. Deixe-se de queixumes e insulte-me humoristicamente como um homem.
— O senhor cumpre todos os requisitos de um estúpido.
— Essa boca é para mim?
— Não, estava apenas a ensaiar uma forma de ser simpático consigo.
— Amigo, estava a mangar consigo. Acagaça-se logo, falta-lhe treino de pugilato verbal. Precisa de vir comigo todas as noites à taberna e insultar pessoas à desgarrada, isso dar-lhe-á fibra. Assim como está não arranja amigos nem companheiros de zaragata. Está aí com uns insultos que é uma tristeza.
— Obrigado pelo conselho, mas a que se deve tamanha amabilidade?
— Vou conversar com o Deus que está dentro de nós e já lhe respondo. Entretanto, para se entreter, pode ir para o caralho.
— Não tinha já parado o arraial de boçalidade e insultos?
— Companheiro, nunca pára, é assim que se ganha músculo na lábia. Desiludiu-me um nadinha, está armado em putinha inibida que se mostra envergonhada ao mínimo afago quando na verdade a sua imaginação é uma morada de nabos.
— Problemas que me ocupam a cachola. Bem tento resolvê-los com a minha psicóloga, todavia continuo o mesmo entrevado no capítulo das intimidades.
— Compincha, continue o seu raciocínio, mas primeiro deixe-me abandonar a sala, não há necessidade de eu continuar a ouvir as suas baboseiras.
— O meu amigo consegue ser muito cruel quando quer.
— Pedia-lhe que me deixasse prosseguir com o monólogo. Ficou claro que, por mais que se esforce, é incapaz de adicionar algo ao diálogo. Tão jovem e já tão inútil.
— Mas…
— Nem mas, nem meio mas. Andavas tu de colhão para colhão já eu levava a cabo monólogos dignos de Shakespeare. Vi algo em ti, mas desiludiste-me. Este lado humano que me força a apostar em cavalos pernetas só me traz desgostos.
— Senti um pingo de humanidade.
— Já me assoei, já não há pinga, meu cabrão.
— Afinal há luz dentro de ti.
— Ui, pronto, alcançaste os píncaros da lamechice e do enfado com essa tirada. Não digas mais nada que ainda me matas de tédio. Já estou a sentir umas pontadas no cerebelo.
— Vou calar-me.
— Que ideia brilhante! Saiu dessa bela cabecinha? Nem parece teu.
O que se retira deste diálogo, perguntam-me. Eh pá, vão chatear o Camões e os seus epígonos.
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