Roberto Gamito
23.02.21
A internet é um sugadouro em permanente actividade. Um vampiro insaciável, se preferirem. Há muitos Homens prontos a estoirar o seu tesouro com ela — essa puta entre putas. Indignação, trends, coscuvilhices e boatos são mel para os ouvidos do Homem do século XXI. Com efeito, perder um episódio dessa magna novela é perder o comboio, é não ter tema de conversa na hora seguinte. É sentirmo-nos postos de parte do curso natural — tumultuário — dos acontecimentos das redes sociais.
Heróis e sacripantas, uns e outros déspotas em formação, confessam nas redes onde o seu tempo é capturado, com ou sem açoites, uma biografia entregue ao tédio. As estroinices do bicho Homem ficam deslindadas. Toda a gente é suspeita. Sevandijas de todos os calibres pululam onde ficcionamos uma vida excepcional. Fazem-se retratos robot para adiantar serviço, adiantamo-nos ao crime. Em suma, integramos uma procissão de doidivanas inveterados. Não há hierarquia que nos separe em altura ou em qualidade; estamos todos à beira da loucura.
Submissos à gravidade que nos aniquila os sonhos um por um, cuspimos profusamente a nossa história para cima dos demais, sem nunca esquecer os detalhes e os ais. O outro, para a maioria, pouco conta. O outro é um bibelot na equação chamada diálogo. Ébrio de amores por mencionar o óbvio ululante, pouco sóbrio para a vida e para a síntese, que mais se pode esperar de uma criatura de miolo esfarrapado? Eco amiúde vertical, eis o que somos.
Eis o que define este tempo: falar, continuar a falar, sem ter nada para dizer. A frase anterior é exemplo disso. Uma atitude de tal calibre é difícil de entender seja em que época for. E todavia não há ninguém que grite: “Alto e pára o baile, que assim não pode ser!”
Volvidas umas horas após nos termos exaurido por inteiro numa discussão nas redes sociais, damo-nos conta que, além de labregos, fomos estúpidos a ponto de não equacionar o desperdício de tempo. De resto, não deixo de pelo menos sorrir e menear a cabeça perante tal espectáculo de imbecilidade. Com uma agilidade e fantasia assombrosas, a língua de quem se derrama nas redes sociais, para além da expressividade e do conteúdo psicológico, é o retrato deste século de sobras.