Roberto Gamito
14.04.21
Um vulto sulfúreo gabava das alturas a minha desgraça. Desfeito o nexo causa-efeito, retirado do cardápio o sim ou sopas, começou a noticiar-se a morte antes desta ocorrer. Caso esta não ocorra, recorre-se à errata minúscula. A verdade não é amiga dos míopes. Em todo caso, é só uma questão de tempo. A morte nunca foge a um encontro, quando muito adia-o. Pólvora de pormenores, conjectura propiciadora de ruínas. O fandango burocrático que nos paralisa ou enfurece. Um recém-convertido à doutrina da loucura. Papéis de faz de conta incensam a atmosfera complexa. Pompa no cenário fictício, vertigem de procurar a mão e ela fugir; a folha enquanto acta do fracasso. Uma rebelião relegada para nota de rodapé. Arraial onde não acontece nada há séculos. Nenhuma fala digna de ser memorizada. À mingua de corvos, o poeta aprendeu a enviesar o canto da cotovia.
Simulacros de homens andam de gatas em círculos segundo coreografias de servidão. Gestos que julgamos nossos logo convertidos em repasto de titereiro. Dignitários de um deus sem pés nem cabeça. Maquilhados no centro da pocilga, os novos porcos procuram, com o seu bacorejar ortodoxo, vender-nos a ideia de um mundo mais polido. Sandice paulatina encarregue de nos hipnotizar.
Modelos amanhã infames, uns e outros à queima-roupa. Heróis postiços acobardam-se mal o holofote dá um estalido. A luz vai e vem como se dançasse. Uma cantilena de virtude que nos empobrece o miolo, o caminho, a obra. A arcaica patranha, uma balbúrdia de convertidos.
Mandei-me ao discurso sem nada que me protegesse o peito. Não negoceio a minha respiração, as minhas pausas, os verbos felinos que colonizam o mundo real pelo trilho da língua ebuliente.
Ajeitámos a farda de Homo sapiens, não queremos ficar mal na fotografia do nosso tempo; de seguida entregámo-nos a uma epopeia toda onomatopeias.
Cultor da verticalidade, não me vergo seja qual for a natureza do diálogo. Dou conta da batota e da guilhotina. Não me preocupo, sei para o que vim. A língua morre de pé.