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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

04.11.21

D., vedeta da época, autor de livros valha-me deus, pontual quando o assunto é pôr os pés pelas mãos, sortudo, herdou a genética dos melhores contorcionistas, salta de imprecisão em imprecisão qual Tarzan de liana em liana, é conhecido por marimbar-se para a verdade e não ter pejo de pronunciar as maiores baboseiras. Sucintamente, um palerma com obra feita.
A palavra de ordem deste novo catecismo do óbvio é: o mau é mau e o bom é bom. Onde está bom — não faz diferença nenhuma aos míopes que grassam no nosso século — pode estar bem.
Não nos precipitemos a ajuizar de infantil este tremendo mandamento, o qual mais não é que uma versão caseira todavia sensaborona de umas linhas de Trótski: “tudo o que decide a revolução é bom, tudo o que a contraria é mau.”

Ao contrário de prosadores de outras épocas, cujo calibre era suficiente para matar elefantes e cornacas, os quais se passeavam nas frases de tronco nu a espumar de virilidade, a nova vaga de doutrinadores é incapaz de despentear uma ideia. Quando muito, faz o óbvio ululante ronronar. Falta-lhes fôlego para pôr o mundo na escrita. Desafortunadamente, o ego ocupa-lhes a língua toda.

Outrora, quando a esquerda era esquerda, e a direita ia além da fachoesfera (nomenclatura dos ideólogos formados na faculdade do twitter), o Homem — e mesmo o homem sem qualidades (perdoem-me a redundância) — era capaz de trocar dois dedos de conversa, cavaquear, errar, dialogar, pôr o seu miolo por extenso. Do outro lado, espantem-se, mas espantem-se sem mostrar muito o serrote, não vá a máscara rachar, não havia cheerleaders a aplaudir cada sinapse, mas sim o opositor a dar-lhe outra visão com veemência.

Como tudo se repete, e a tirania não é senão uma moda que vai e vem, não mentiria se dissesse que há algo de Gulag no pensamento contemporâneo. Há lá coisa mais bela que condenar sem pretexto algum, por causa de tudo e de nada, por uma coisa ou outra, não importa o quê, por uma bagatela, uma denúncia, um arbítrio, um capricho de donzela ofendida, em suma, julgar uma vida atirando uma moeda ao ar.

A odisseia do inumano possui dimensões por desvendar, oculta que está pelas cinzas dos que morreram injustamente, é um caminho longo que atravessa todas as épocas sem excepção. Há sempre alguém a pugnar pela humanidade, adiantará alguém. Não obstante os murmúrios nas margens, o Homem vai sempre no sentido de aperfeiçoar a máquina de tortura. Hitler, cujos números são citados em qualquer documentário ou TikTok, Mao, com os seus 50 milhões de mortos e Estaline e quejandos com os 100 milhões de almas.

Sem dúvida que às cegas, como quando apreciamos vinho depois de bêbedos, não sabemos comentar as frases tontas, a saber: “sairemos deste ou daquele episódio trágico melhores pessoas?”, questiona o pacóvio.
Se há coisa que a História arrumou nas suas enormes e abauladas prateleiras foi tragédias, pelo que podemos dizer, sem medo de errar muito, que a Escola da Tragédia foi incapaz de formar um Homem bom.

Copérnico, plagiador da comédia, afastou o Homem do centro do mundo; Darwin, do cume da evolução; o cancro da pele, do Sol e por fim, o século XXI afastou-nos da ideia de salvação.

O Homem é capaz do melhor, porém, não lhe sai naturalmente, ao contrário do mal. Mesmo as melhores ideias, mesmos os seres humanos mais bem-intencionados são rasos se não levarem em linha de conta que cada projecto de paraíso traz consigo outro inferno.

De que mãos sairá o livro que destruirá as mitologias do século?
E não serão estas mitologias as mesmas de sempre, mas desta vez invulneráveis? Estas e outras questões serão respondidas no meu workshop “O Capitalismo é Mau, mas a inscrição são 300 paus”.

E não será a história da tirania a história da frustração? A frustração e o ressentimento, que há rodos neste século, são viveiros de sátrapas. Hitler foi um pintor frustrado, Mao, um poeta falhado e uma espécie de bibliotecário. Rezemos para que um humorista falhado nunca chegue ao poder, seria o fim do mundo como o conhecemos.

 

Autos-de-fé, Roberto Gamito

 

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