Roberto Gamito
11.03.22
— Concordas com estas palavras?
— Quais?
— Estas: concordas com estas palavras.
— Acho-as admiráveis, todavia careço de paciência para me alongar em justificações.
— Uma justificação breve, não te peço mais.
— Oponho-me com todas as forças a tudo o que saia da tua boca.
— E se for uma ideia brilhante?
— Ainda pior. O ser humano quando possuído por ideias brilhantes torna-se abundantemente chato.
— Então opto pela mediocridade.
— É a escolha acertada, ao menos falamos a mesma língua. Seria uma pena recorrer ao exorcismo da ideia brilhante via crítica mesquinha.
— Há margem para a tentativa de suicídio ou acreditas no regresso da felicidade?
— Margem há sempre, é preciso acreditar e não baixar os braços. Quanto à felicidade, não contava muito com ela, não é de fiar — só nos quer nos momentos bons.
Nesse instante, o padre administrou água benta aos executantes do diálogo e de seguida regressou ao jogo de sueca que havia interrompido.
— Mamarracho não é uma das tuas palavras preferidas?
— Tem dias. Quem é que te contou?
— Quem faz as perguntas aqui sou eu.
— Ai é?
— É.
— Não posso fazer mais perguntas?
— É uma prática a evitar se quiseres manter a nossa amizade.
— Então é mesmo para parar?
— Agradecia que parasses.
— Vou já parar, alguma vez te desobedeci?
— Nunca.