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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

17.02.21

Nesse dia perdido, feito lago, nadam lerdos os patos. O coração, o cavalheiro prolixo, intermediário falido. Para encarar o passado de frente, desassombradamente, seria necessário a coragem de um domador de mantícoras. Desafortunadamente, a indústria da morte não admite desempregados. Mesmo à luz dos padrões mais baixos, Z., o último da sua espécie, foi um animal raramente vertical, melhor dizendo, um homem menor. Animal sem residência fixa. A extravagância interpretativa conduzirá Z. a todo o tipo de lugares. Acalma o pensamento, a teorização excessiva é como um calor inferne sob o qual a coisa se evapora. A minha relação com o real é tumultuária, e já conheceu melhores dias. Com o avanço da miopia, aproximo o mundo para bem perto de mim, como se ver fosse sinónimo de beijo. Os míopes aproximam dos olhos aquilo que se lhes escapa. São débeis predadores de detalhes. Quando captam um — uma gota de água, uma cabeça de um insecto espezinhado — é um festival. Com efeito, há pessoas, poucas, nunca muitas, que vasculham nos escombros do seu século, no solo onde a miragem foi erigida de supetão, algo palpável. A paisagem acolhe as ilusões, ficções, miragens. Eis a família de sedativos com a qual amansamos o medo. O meu apego ao mundo das ideias deve-se a isto: o pensamento civiliza os fantasmas que nos habitam. Uma certa garantia — dada não sabemos bem por quem — de que é possível agrilhoá-los, que é possível, trocando o fôlego por linhas, verter esse rol de cadafalsos em qualquer coisa a raiar o legível.

Tal como disse Rui Nunes, a desprotecção do real está no pormenor. Aí, no minúsculo, a miragem não prospera.
Habituámo-nos aos abutres a rondar as nossas orelhas sem que disso retirássemos ensinamentos. Transitamos de morte em morte sem aprendermos a morrer.

 

Coração, o cavalheiro prolixo, Roberto Gamito

 

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