Roberto Gamito
16.01.22
Ó néscio, rabujam vocês, ó tu cuja mão afónica se entrega ao bailarico da descrição e pintas o mundo de cores cadavéricas, tu enganas e reduzes os homens a pilhas de bagatelas. Acaso não há por aí um magote de figuras inspiradoras que te ensinem a verticalidade heróica? À luz dos critérios actuais, vocês nem sequer existem, dado que não falam coloquialmente. Frases como “a tua nudez irá iluminar-me, mesmo havendo a possibilidade de ser pronunciada por um escroto mais inspirado — a testosterona enquanto musa ignorada —, os pais e os fiscais da ficção proíbem-nos tais galanteios barrocos. Em suma, citando um velhote cá do sítio, o último sábio residente que passa recibos, sendo que o resto da turma do cume são sábios precários obrigados a vergar a mola e aconselhados a ver na sabedoria um biscate sem fins lucrativos — demasiada batata, pouca carne. Está aqui um caldinho!
Encheram-nos os bolsos de promessas e musicaram-nos o esqueleto com pancadinhas nas costas, seguimos as pessoas erradas até aos sítios certos. A mãe levava-lhe um tupperware de bons conselhos semana sim, semana não e mesmo assim ingressou na má vida. Que é como quem diz, atrás da rata de Hamelin, uma fila pirilau de flautistas reformados. Concordo, esta crónica dá guarida ao disparate. Agora caladinhos que nem ratos que o meu coração vai cantar o fado.
Que lides mais estranhas são estas em nossa casa?, pergunta o cérebro ao coração apaixonado. O homem, o qual fazia gato-sapato do cérebro para não tropeçar no primeiro vigarista que lhe aparecesse à frente, dirigiu-se cavalheirescamente à mulher: “Princesa de garra afiada, posso adicionar uma quantidade generosa de chouriço à sua vida?” Ao que a pretensa princesa ripostou, sou vegetariana. É o que eu digo, a mulher actual é imune ao romantismo. O século XXI é um terreno estéril no tocante à plantação de amor e de nabos. Como homem feio e solitário, isto é, agricultor caseiro, que passa a vida a enterrar o nabo em ficções, exijo um subsídio hábil em cobrir as despesas da minha fome.
E depois? Enquanto poeta-sapateiro armado em menino de ginásio tenho cabedal para um único poema. Eis as sobras em discurso.
Ao darem-se conta do engodo, os átomos da fila metamorfosearam-se num ápice sem auxílio de fadas. Do balcão para a pista de dança, o orçamento da imaginação não dá para mais.
Eis a magia da zaragata: indivíduos aparentemente civilizados transformados em animais graças ao álcool. A magia existe é preciso é saber procurá-la. Finda a rixa, distribuídos os papo-secos pelos carenciados, o velho sábio legenda o quadro: demasiada batata, pouca carne.