Roberto Gamito
26.11.21
Bateu sete vezes no chapéu como quem realiza um ritual de exorcismo para escorraçar os ácaros, fitou-o até ao domínio do átomo e voltou a pô-lo na cabeça. Ao aproximar-se de um vulto, desabotoou a braguilha e segredou-lhe: “há que dar valor às pequenas coisas da vida”.
— Não estou para aí virado, ontem comecei a dieta do celibatário e não vou quebrá-la por tua causa.
— Deixa-te de conversas e ajuda-me a descalçar a bota.
— É uma bota que volta e meia regressa ao pé. O tesão é uma bota crónica, não te consigo ajudar.
— Um dia de cada vez.
— Mas por que motivo queres o tesão solucionado?
— Isto é demais para um homem só.
— Deixa-me dar uma vista de olhos. Ora alcança-me aí um microscópio.
— O que estás para aí a dizer? O meu bicho pertence ao domínio do visível.
— Duvido. Em bom rigor, o teu pénis pertence ao mundo do muito pequeno. Cientificamente falando, a mecânica clássica que tanto desejas é insuficiente para tratar correctamente esse tesão. Só lá vai com mecânica quântica.
— Há uma certa probabilidade desse cenário ser real. Aproxima-te de mim com ganas, vamos ensaiar a felicidade.
— Ensaios não é comigo, tenho traumas com teatros. Além disso seria necessário arranjares um subsídio para ir para a cama contigo.
— Não és capaz de ir para a cama comigo em nome da arte?
— Em nome da arte? Não, posso ser mal interpretado.
— Vamos calar-nos um bocadinho, pode ser que o silêncio gere uma atmosfera sedutora.
— Não te quero desanimar, mas…
— És a minha única esperança.
— Caraças, estás mesmo desesperado. Até me sinto mal negar-te o desfecho desejado.
— Queres dizer-me alguma coisa?
— Não insistas, não sejas teimoso, já disse que não.
— E se nos enforcássemos?
— Assim ficávamos ambos com tesão.
— Por isso mesmo.
— Caraças, tens solução para tudo.