Roberto Gamito
01.08.22
Escrevendo mas feliz, contrariando os costumes ancestrais dos poetas. A minha vida foi um grande erro que, com sorte, elevarei a canto. O corvo franziu as ventas, distorcendo o bico; desta vez o queijo não caiu. Não há problema, ó incréu, amigos como dantes, comentou a ex-raposa.
Olhei para o céu
E em vez de luz
Vi um precipício
A tombar sobre mim.
Um poema bem escrito dá alento momentâneo ao poeta, mas não salva o mundo. Vive, trabalha e envelhece na orla dos números. O vulcão impacienta-se, a inércia dos futuros sacrificados irrita-o até às profundezas do inferno.
A mão é fundada na vertigem. Vale a pena hierarquizar fantasmas? Seja como for, o Homem não passa de um cadáver assombrado pela História. Conselho para os aspirantes a poetas: não escarafunchem nos dias pretéritos se não conseguem dormir de luz apagada.
Gosto de ouvir a minha casa em silêncio. Fecho os olhos e imagino a minha morte. O texto termina. Para o membro poético, não há finais felizes. E, de supetão, a mão esquerda não tem nada para fazer. Entre a cabeça e a folha há um conflito milenar por resolver. O pensamento é o cronista desse conflito. Estamos bem arranjados.
Por onde começar? Os precipícios adicionam dias tristes às planícies. Não há escapatória: ou caio ou permaneço no mesmo sítio.
A folha é uma pilha de fracassos burilada até ao canto. Se reparares bem, verás que todas as entrelinhas são diálogos entre as coisas que entraram no texto e as que não ingressam nele.