Roberto Gamito
17.03.21
Não obstante os devaneios e as falácias de empertigado, continuo elegível para o cargo de protagonista do filme da minha vida. De facto, gabo a competência do chamado influenciador digital em elogiar-se por tudo e por nada num sarapatel de adjectivos. Não se precipitem nos juízos: é mais difícil do que parece. No que me diz respeito, sou incapaz de tecer um elogio à minha pessoa sem me escangalhar a rir ou introduzir um acrescento do género: “quem é que estás a tentar enganar?”
A sensatez, outrora gabada como virtude, hoje não passa de um açaime da vida quotidiana. Uma criatura inapta no auto-elogio já parte com uma volta de atraso na corrida da existência. Os obstáculos de ser apenas aquilo que se é sem mais alardes. Só um estúpido pode insistir em tão estafada fórmula.
Mas o que é o Homem se não hiperbolizarmos as suas magras façanhas? Provavelmente um mamarracho com orelhas ou um invertebrado untado com uma balbúrdia de cremes. E todos os que se encontram fora do jogo — jogo dos embustes —, de tão exasperados, borram-se nas calças ou no discurso pela pouca sorte que lhes coube.
Eu, bobo sem graça nem farpela, continuo aqui a suar as estopinhas a fim de compreender os trâmites da hipocrisia de molde a medrar neste jardim pejado de flores de plástico. Estou muito convencido de que sou o papalvo do século, pelo menos em português, porque desdenho as manobras — das mais triviais às mais sofisticadas — de enobrecer o ego. O meu intelecto não está apto a decifrar tão densa matéria, avesso que sou a tão comichosa disciplina. Terei que me matar de novo? Não terei eu já alcançado os píncaros da desgraça? Logo eu que salto de eclipse em eclipse qual rã cósmica que vê na noite abrupta um nenúfar.
A mim, perito na arte de tirar nabos da púcara, feitiçaria invejada por uns e umas no apogeu da noite solitária, desamparado dos elementos que me são próprios, nomeadamente água e terra, dado que sou um palhaço anfíbio, resta-me soluçar numa língua estrangeira para que pensem que não lhes levo a mal o regateio da banha da cobra.
A voracidade dos plagiadores, a sede dos bajuladores, os aplausos dos manetas, o frenesi dos chupa-pilas, o virote nos círculos de legitimação, o ballet todo em pontas dos gigantes postiços, a mutação da gatunagem, os apupos dos papagaios, a pelintrice do eco armado em vertebrado, os entraves da língua entrevada, o açaime do puritanismo, e o foda-se, pau para toda a obra. Como combater isto tudo, e se possível, de uma só vez? Logo eu que não passo de um merdas.