Roberto Gamito
27.11.20
O artista pleno é aquele que encontra o equilíbrio perfeito entre força e vulnerabilidade. A vulnerabilidade é uma oportunidade para ingressar no desconhecido, para que o outro te veja como ser falível e ridiculamente mortal. No limite, concretiza-se o mito de Actéon em que tu, antigo caçador, és transformado em veado e abocanhado pelos teus fiéis cães. A vulnerabilidade é um processo penoso de despojamento. A única forma de encetar uma ponte genuína com o outro. Do outro lado da ponte tanto pode vir o amor como a morte. Sem vulnerabilidade estás condenado a actuar num teatro monotonamente morno.
O Eu é a mais resistente das máscaras. Para citar Peter Handke, não faças com que tudo seja acerca de ti — fim de citação.
O ego afunila o mundo num punhado de ilusões. Não há qualquer mistificação. Só numa relação acesa com o outro é que o mundo se nos revela.
Desgraçadamente, contentamo-nos em permanecer aquém do outro, no terreno confortável do artifício.
Seja como for, avançando ou recuando, o outro permanecerá inacessível. É impossível alcançar o outro na sua totalidade. O que há é pontes — tangentes — de entendimento durante as quais pomos o sentir do outro em evidência. Com sorte, o nevoeiro tornar-se-á menos denso, mas nunca desaparecerá por completo. O outro é o centro do nevoeiro. Tal como sucede no escuro, podemos treinar os olhos para ver em condições de luz muito reduzidas. Todavia há limites. Com o outro é igual. Só podemos ver até determinado ponto.
A força é perseguir uma intuição. Uma ideia, uma paixão, alguém capaz de nos apresentar o mundo de um ângulo imprevisto. Uma força fundada pela vulnerabilidade.