Roberto Gamito
16.07.21
Amor, paixão, arte, pensamento: fraudulentas maravilhas.
Como são ficções, estas palavras são impróprias para consumo. O louco desbobinou o rol de eus que havia encarcerado no miolo e cada um deles procurou sem demoras o pasto do mundo real.
O Narciso invejava o louco e agarrara-se com unhas e sem dentes ao seu magro eu.
Com génios deste quilate, quem poderá adicionar uma legenda?
No capítulo da inércia, sou uma espécie de Usain Bolt, não fico atrás de ninguém. Há dias descobri que havia ganho diversas medalhas de ouro. Para honrar a minha postura de sedentário, não me desloquei à cerimónia. Não pratico a imobilidade pelos prémios, mas pelo amor à causa. Neste mundo veloz, o sedentário é o maior dos revoltados. Num mundo em que tudo é desfigurado graças à velocidade só o sedentário não abdica da sua forma.
Imagina lá tu que eles ficaram com a ideia de que sabíamos da poda?, diz o louco para outro louco ou para o espelho. Com efeito, basta atirar as palavras quentes do momento para nos levarem a sério. E eu é que sou o louco?, diz o espelho.
Malhemos à vontade no louco até este vomitar a multidão de cacos de personalidade, declarava o homem sensato. Um caco por cada homem. O resto é legado ao mundo. Os aspirantes a faquir hão-de agradecer-nos por isso, continuava o homem sensato.
Uma vez temporariamente ocupados na barbárie, o cérebro aproveitou a carnificina para descansar um pouco.
Deus me acuda, exclamava o louco. Trazer Deus à baila é, receio, uma manifestação de pedantismo, gritou o homem sensato. Narciso persistia no sentimento de inveja. Mesmo à beira da morte o louco não conheceu a solidão.