Roberto Gamito
09.12.21
No riso, a dor desaparece. No fundo, o humorista aproveita a surpresa para se enfarpelar de médico e prescreve uma breve ficção apinhada de solavancos. A criação de uma situação cómica como meio terapêutico. Após este ritual, podemos retomar os nossos afazeres de Homem esfarrapado, isto é, permanecer vegetando numa viciante dependência de entretenimento e outras formas de ópio.
Sofro, logo existo, eis a marca do Homem contemporâneo. A dor é a prova de que estamos vivos. Não é uma dor qualquer, é a nossa.
Quais Napoleões tardios, surgem os açambarcadores das dores alheias. Mais dor, mais dor!
Se adoptássemos a ideia de que o sofrimento é o melhor professor, estaríamos diante dos alunos mais empenhados.
No entanto, a dor, que amiúde torna homens verdes em homens precocemente maduros, tem o condão de obstaculizar o pensamento.
A dor é a legenda do corpo. Cinicamente falando, na dor o homem é livre: ninguém me pode impedir de sofrer, eis um raciocínio de um ser desocupado.
A dor suspende o pensamento. Na dor, o outro desaparece. As palavras afiguram-se rombas, são incapazes de descrever a dor. O grito enquanto dialecto do corpo, dos ossos e da carne. Só o lado animalesco — o grito — é capaz de dizer a verdade. O grito enquanto poesia intraduzível.