Roberto Gamito
21.04.21
A cratera enquanto cinzeiro de um deus maior. Sedação, sedução. O clorofórmio do engate fragilizando o olhar. Na carótida, o beijo, na perna, a garra retráctil. Personagem colhendo o seu discurso nas sobras de um guião. A torneira calcinada, o protótipo de felino no papel. Mesclam-se dilúvio e incêndio.
De assíduo a ausente, serpenteando entre as armadilhas e engodos, o homem feito cobra sobrevive com a língua intacta.
Nome tirado a fórceps de uma mulher moribunda.
Rajada inclemente de grãos de areia. Mais um ciclo na ampulheta.
A distância e o esquecimento inoculam o gesso. E no entanto, ela move-se.
Febril e irrequieto no horário de trabalho, homem-estátua à hora de ponta. Lamaçal indecifrável do qual extraímos diamantes. Muleta linguística, implante no desnorte. Dias pretéritos expedidos em contentores despedem-se da memória. A vida enquanto vela avessa ao vento. O sujeito desta frase arrecadou, após um íngreme entendimento com a morte, um monte de promessas quebradas.