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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

13.04.22

Haverá salvação para quem cortejou Mnemósine, a mãe das musas? A mão fica a sós com a ruína do corpo. Hieroglíficas, as vozes sobrevivem à tona do cadáver putrefacto.
Aplaudo deitado a verticalidade de antigos mestres, ovaciono o vagar dos vermes aprisionados no casulo da sua própria palavra. Os dias parasitam-me a alegria de uma ponta à outro do sonho.
Comovo-me com a escassez de recomeços. Só posso falar do que esqueci. E um mundo pequeno sem placas vai-me brotando dos dedos, linhas que mais parecem caminhos pejados de gumes.
Também ouço falar que os túmulos profanados pela luz num dia de alta folia serão mais tarde ou mais cedo conquistados pelo inferno. Os homens não passam de metástases da cólera divina.
O medo batia a todas as portas à espera de uma história onde pernoitar, não lhe deram guarida e agigantou-se. Num labirinto de suspiros, o homem no centro de uma legião de vozes. A palavra metamorfoseia-se em ruído e vice-versa. Que forma tomará, agora, a nossa queda? Futuro, arquitectura comida antes de tempo, pela qual sobem os gritos do poço do passado. Ninguém está a salvo de entrar num poema. Ulisses devia ter aniquilado também o aedo. Impacientam-se as pequeninas fomes, o pêlo do animal ontem civilizado eriça-se como o de uma hiena. O olhar é uma cratera onde sepulto os meus dias. Em vão procurarão domar as ondas de choque, sacudir o som e a fúria da queda, enganando com lérias os espíritos mais inocentes. E, por cansaço nosso e das instituições, tudo parecerá perdoável.
Aparatoso concurso de facadas, melhor seria deixar-te a sós com os teus demónios, talvez do Seu sangue se abrisse um portal para o Tártaro. Sou na tua boca um asteróide em queda. Não me tentes capturar com uma gaiola de dedos, sou pirilampo contorcionista fugindo por entre as frestas das convenções. Lampyris noctiluca, está dito, não me faças gastar o meu latim.
Quando acordares, já terei abandonado o poema. Ao tombar vindo do mito, a cabeça da Medusa petrifica o oceano porque viu no seu vaivém um animal vivo. O amor não pegou de estaca. Respiras de alívio: sairás ilesa dos meus dedos.
Ignoro o que o nevoeiro trará: se um deus ou um carniceiro de númenes. Chegará o dia em que terei esgotado as órbitas dos disparos fotográficos, assistirei, não sei de que lado da barricada, se vivo, se morto, ao ressurgimento de Tifeu. A culpa foi de quem imaginou as facas ébrias de sangue, dirá alguém com o fôlego a dar as últimas. Mesmo que nenhum gesto sobreviva, sobrar-nos-ão os gritos, os quais nos singularizam enquanto espécie.

Império de Tifeu

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