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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

28.01.22

Quem nasceu primeiro: o voto ou o influencer? Se vadiarmos pelas redes sociais por estes dias dá a ideia que o influencer inventou a democracia num guardanapo, cinco minutos antes de mais uma sessão fotográfica. Nada o fazia prever: promotores de cremes, divulgadores de banalidades requentadas, papagaios versados em língua inglesa, empresários de filhos bochechudos, capazes de ir até aos confins do útero para monetizar o crescimento do pintelhito com vida, brindam o circo dos papalvos, não com imagens de locais paradisíacos, as tais migalhas para o bico do pobretanas, mas com a democracia — essa coisa pouco fotogénica, pelo menos segundo os padrões do World Press Photo. Ora, eu, enquanto privilegiado não praticante, não tenho voto na matéria, nem voto na luz. Seja como for, não é disparatado comunicar-vos que o influencer pegou no ceptro da condescendência e transformou-se numa espécie de missionário em terras de selvagens. Não sabem o que é o amor? Eu catequizo. Não sabem onde fica a Tailândia? Eu mostro. Ignoram que farpela escolher para um date? Eu auxilio. Não sabem distinguir o bem do mal? Eu doutrino. Não sabem ser verdadeiros e genuínos? Eu ensino-vos, deixem-me só acertar no tom de voz.

Se, na hierarquia dos estúpidos, o influencer ocupa o primeiro lugar, o tal cume reservado os antigos sábios, os quais foram escorraçados pelo Altíssimo por não terem pago as despesas do Nirvana, o sensato é uma figura que não destoa na prateleira dos mitos. Haverá algo mais humilhante para o Homem do que sentir que a voz que vem de cima é a de um boneco cujo cu é disputado por uma multidão de ventríloquos? Trata-se de um cu cantante regateado pelas marcas.

É necessário possuir um ego do tamanho do cosmos de molde a pensar da seguinte forma: caso eu não diga nada, estes labregos com a quarta classe mal tirada até se esquecem de ir votar. Eis a constelação de umbigos enobrecidos pelos números das redes sociais a cuspir pepitas das suas torres de marfim. Na cabeça deles, mudam o mundo; fora do seu mundo, o mundo permanece o mesmo.

Prosseguindo com tiques de vedeta nessa senda do Outro, disfarçamos bem a nossa loucura. Pensam, em nome de um mundo melhor, esmagar o eu, quando, na verdade, não passa de uma sofisticada manobra de diversão. Que grandes sonhos, comparados com os dos influencers, não se revelariam insignificantes. Alexandre, o Grande não é ninguém ao pé de um influencer com um milhão de seguidores, o qual, numa legenda de uma foto de rabo engalanado pelos filtros, educa os seus adeptos analfabetos.
A vontade de doutrinar a toda a hora, levada até aos meandros das sílabas, enoja-me. Desmascara o falso paladino da humanidade. Com efeito, não acredita no Homem, na melhor das hipóteses, vê nele um semi-boneco de plasticina que, graças às suas mãos divinas, tornar-se-á uma criatura apresentável.

Rejeito a sedução de um Eu cantante. A megalomania dos novos conventos apinhados de puritanos cheios de manhas, quando nos bastidores funciona um bordel, dá-me vontade de dinamitar o mundo. Nas palavras de Cioran, o niilista entre os niilistas, quem não admite o seu nada é um doente mental. Creio que estamos diante de um diagnóstico acertado. Malucos a doutrinar malucos: o universo cresce para albergar tanta loucura.

A opinião pública, isto é, os curadores de deuses, deixa-se ludibriar pelo espectáculo das luzes e pelo corrupio de sofrimentos de pacotilha. Mártires por geração espontânea, agendam dores para receberem a bênção do algoritmo. Obrigado, caros influencers, meus excelsos lembretes com pernas.

marta-rastovac-2ADlx1RIT7o-unsplash.jpg

 

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