Roberto Gamito
15.01.21
Suponhamos que o leitor é um preguiçoso. Se assim é, para quê continuar? Não faço ideia. A verdade é que o argumento do leitor ausente não é mau, mas falta-me energia para o desenvolver. Para ser sincero, estou-me nas tintas para o leitor. Fui ríspido? Sim, mas provavelmente o leitor desistiu na primeira linha e prosseguiu em direcção a territórios mais agradáveis como as redes sociais, onde a indignação prospera.
Daqui a pouco, e prosseguindo neste tom enfadonho, ainda vamos — vou, dado que não posso contar convosco — dissertar sobre a solidão e em como ela, em certas condições, pode frutificar em algo maravilhoso. Contudo, não são horas para falar de coisas tristes. Aliás, diga-se o que se disser, escrever é um trabalho solitário.
No limite, a escrita só gera amizades postumamente.
Ironicamente, o escritor morto é uma criatura estupidamente sociável.
Não é trágico escrever um texto sobre a preguiça do leitor, esse animal à beira da extinção, e dar conta que tudo desemboca em coisa nenhuma? Talvez o leitor preguiçoso tenha acertado ao ter desistido da leitura. O que há num texto ou num livro que uma relação falhada não possa ensinar?
Qualquer coisa que se possa escrever é puro disparate, seja em torno de temas graúdos como morte e amor, seja à volta de uma gaita de beiços. Independentemente da mão chamada a garatujar as linhas tumultuosas, a incompreensão atingirá excelsitudes. A que excelsitudes chegará a mão que, ao carambolar nos meandros de um amor perdido, ressurgir à tona da pedra pejada de hieróglifos, a rocha frágil da existência, se transmudar num poema breve e incapturável?
Se alguém perguntar por mim, digam-lhe que morri.