Roberto Gamito
02.12.20
Movimento-me, para usar a expressão da escritora George Eliot, com o agasalho da estupidez. Por não dispormos de informação adequada, com base na qual possamos tomar decisões cruciais na nossa vida, optei, inteligentemente, por viver a vida ao calhas.
Em todo o caso, a verdade está-nos vedada. Devemos ir-nos familiarizando, sistematicamente, com a nossa invulgar incapacidade de navegar no mundo. Os faróis encontrados aqui e ali no decorrer da nossa jornada não nos impedem de naufragar. Eis-nos, inevitavelmente, agarrados ao primeiro destroço que lograrmos jogar a mão. As luzes e as ajudas são amiúde pirotécnicas, postiças; os deuses, figuras decorativas. Não há mapas aos quais possamos recorrer para escapar ao labirinto da noite. O inferno é, quase sempre, inescapável.
Somos criaturas espantadiças, bichos incrivelmente vulneráveis, com uma complexa rede de medos. Com ou sem paciência, estamos à espera que nos ouçam. Mas antes disso — e depois disso — decepcionar-nos-emos catastroficamente.
As palavras doces e o calor humano providenciam-nos uma forma de interpretar o mundo com novos olhos ao mesmo tempo que diminui o tom da ansiedade.
A ansiedade, se traduzida para algo poeticamente palpável, é uma lente de magnificar criaturas sem rosto.
Entramos em pânico, esteja ele à superfície ou a borbulhar no nosso mundo interior, porque sentimos, certeiramente, como é fino o verniz da civilização, como um episódio que se afigura perfumado está, de facto, preso por arames. Uma palavra errada e deitaremos por terra o castelo de cartas de uma relação. Seja como for, a vida está à mercê da voragem: o que parecerá hoje importante será amanhã pulverizado pela memória. Quão aleatórias são, com efeito, as nossas escolhas. À luz dos nossos dias, o passado revela facetas insuspeitas sobre nós próprios. As criaturas que nos amedrontaram, se resolvidas pela razão, transformam-se em bichos de estatura risível.
Com um sem crescimento emocional, continuamos à mercê daquilo que nos foge. Isso exacerba a ansiedade para níveis inauditos.
O primeiro passo para a serenidade emocional é a aceitação. Porém, nesse capítulo, somos homens-estátuas.
Somos leopardos a viver num mundo só nosso. Volta e meia vemo-nos despertados, inesperadamente, para uma nova realidade.
O dardo tranquilizador — ou o dardo exacerbador — disparado há dias, semanas, meses começou a surtir efeito. Não havíamos ainda tido oportunidade de perceber a sua presença.
Os efeitos principiam, aos poucos, a fazer-se notar no corpo e na mente.
O passado mal digerido, mesclado com o dardo vindo do outro conduzem-nos para a província da depressão. Sentimo-nos felinos perdendo o vigor, exibindo uma agressividade sonolenta.
O predador tombado pelo passado e pelo futuro.