Roberto Gamito
09.02.21
Na Índia, a matança de um animal era o nascer da poesia. Aproveitando a ideia, a comédia é uma faquinha de matar patos.
Duas frases que dão a conhecer o homem.
O universo, esse oceano de coisa nenhuma, repete-se perpetuamente e põe tudo na sua gaveta, comunica uma mulher de cócoras, ficticiamente feliz.
Tantas populações de estúpidos idênticas — ou com diferenças residuais — perecem da cabeça aos pés — sem movimento nem pensamento — sem suspeitarem da existência das outras.
O aumento exponencial de palhaços, o mesmo palco exíguo.
O capitalismo, ó bicho que serpenteias entre a felicidade postiça e a esquizofrenia, é incuravelmente bipolar, com temporadas de excessos faraónicos e de colapsos depressivos.
O fetiche do crescimento. Capitalismo, o Grande, melhor, o Muito Grande, melhor ainda: Capitalismo, o Maior.
O conflito psicológico que grassa no interior dos indivíduos: Odisseia, Ilíada, Metamorfoses. Bichos, cerco e jornada. Dentro do Homem habita um catálogo de Homens.
Capitalismo, o mimo impressionantemente omnívoro. Come ao mesmo tempo que reproduz as inquietações, os medos e os distúrbios da população. Agressor e juiz, veneno e antídoto, carrasco e santo. Que espectáculo insuperável!
Os primeiros escritos budistas:
Não exercer violência sobre um só ser vivo, vagueia só como um rinoceronte.
Todos exigem a tua atenção, vagueia só como um rinoceronte.
O fogo não regressa ao que ardeu, vagueia só como um rinoceronte.
A turba inarmónica de piranhas prolíficas.
Respirar sem delírios, basta uma inspiração para aniquilar o grilhão. Mas isso em nada apraz as pessoas.
Oxalá eu me fendesse em dois para ter um rival à altura.
A baboseira da ordem, o ego a fazer as vezes do ventríloquo. Caramba, uma multidão de cus desfeitos.
Queria emprestar a minha voz estafada ao desânimo do século, mas parece que já estão bem servidos.