Roberto Gamito
22.12.21
Careço de meios financeiros para contactar com a vida. Não é com cafés e garrafinhas de água que a engodo. Não estou a lamuriar-me por ser pai solteiro de uma carteira anoréctica, limito-me a dissertar que uma coisa está dependente da outra. Sem carteira gorda é difícil aproximarmo-nos da vida com a pose certa. Cada passo que damos tem um custo associado. Em havendo cabeça, tal dá origem a uma atmosfera fantástica, uma trapalhada sofisticada que intoxica a mente com mundos baratuchos, os quais nos consolam nos períodos de carência.
Enquanto turista do mundo anterior, passeio-me enfarpelado como um rei, montado num unicórnio barrocamente adornado, enquanto saúdo as gentes que choram de alegria ao contactarem comigo. À medida que avançamos na feitura desse mundo consolador, afogamo-nos por completo numa massa de abstrações — em suma, um mundo almofadado onde as arestas cortantes foram abolidas.
É difícil assistir, sem sentir embaraço, à sua demanda rumo à trapalhada fantasiosa e à transmutação da gata borralheira em princesa, cogita quem está de fora. Se ele tivesse conservado o ouvido, a vida tê-lo-ia posto ao corrente de alegrias mais em conta. Ao estreitar laços com a fantasia, enceta a dramatização do real, tornando-o inacessível pelo seu próprio pé. A imaginação fértil — a rede de onde escapa todo o peixe miúdo. De olhos fechados, acredita ser caçador de episódios mirabolantes, rastreador de perfumes que o conduzirão ao amor, uma espécie de flautista de Hamelin atrás do qual seguem, em fila, todos os sonhos da humanidade.
Ele, que não tinha nada de génio e tudo de estúpido, começou por remendar a sua biografia com pequenos fogachos da imaginação e acabou por se aprisionar num mundo mirífico. Foi um período de existência fervilhante, um período de grandes tumultos — as ideias ultrapassavam os obstáculos à primeira. Todavia o mundo permanecia o mesmo.