Roberto Gamito
21.01.21
Tenho uma sorte, que é o meu físico, um físico de bisonte bisonho que engorda sem dificuldade. Em tempos normais, prescindia facilmente desse dom de ficar com a pança avantajada ao mínimo petisco, no entanto, em tempos de confinamento, dá-me jeito: é um reservatório infinito de desculpas para ficar alapado no sofá qual cadáver esfomeado. Volvidos uns dias fechado em casa tudo perde o sentido, desde a vida até às idas ao Tinder. Que razão há para ter o Tinder instalado? Nenhuma. A não ser que entendamos o Tinder como uma espécie de caça aos pokémons, pokémons com demasiado vocabulário.
Aliado ao tédio, a nosso pensamento desacreditará todas as crenças, dinamitará deuses, torná-los-á pequenos, babujará qualquer ideia sobre o suicídio num tal ecletismo de parvoíces que alguém poderá pensar, ao cruzar-se com esse raro espécime, que encontrou o poeta do fracasso.
Porém, perante certas coisas é preferível ficar mudo e de asas fechadas. Por mais esquartejado que esteja a criatura entediada pelo confinamento, mais vale deixá-la morrer. É deixar Osíris falecer desta vez.
E a turba que ocupava os dias a propagandear o lado positivo disto tudo? Já se calaram? Eram falsos positivos? Segundo eles, devemos fugir daquilo que nos magoa. Se algo é tóxico, afastamo-nos. É isso que tenho feito: afastei-me do mundo, que está tóxico. Pus um aviso na porta: “Mundo, não és bem-vindo”.