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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

19.03.22

O nosso século está prenhe de armadilhas graças às sobras do pós-modernismo. O pós-modernismo aplicado é o epitáfio prolixo de um cérebro colectivo que já nos deu muitas alegrias. A par do capitalismo, o pós-modernismo está tão entranhado no dia-a-dia que nem nos apercebemos dos estragos. A sua prole de nomes mutantes é grande e crescente, politicamente correcto, cultura woke, evangelho do cancelamento, paladinos do literal e por aí vai. Encetemos a crónica pelos quatro temas do pós-modernismo: 1) o desvanecimento de fronteiras, 2) o poder da linguagem, 3) o relativismo cultural, 4) o desaparecimento do individual e do universal.
Parece de loucos, mas é verdade.

Não deixa de ser curioso os séculos de luta contra a superstição travada pela razão, seja na forma de ciência ou arte, para de repente voltarmos ao mesmo sítio, não obstante os nomes dos personagens serem outros. A atitude excessivamente céptica do pós-modernista é um tiro no pé do intelectual postiço — tão céptica que não acredita na verdade ou no conhecimento objectivo. Grosso modo, nada é real, excepto a opressão. O pós-modernismo acredita que tudo é corrompido por políticos ou homens de poder, até o próprio conhecimento. Que género de pessoas são portadoras da mesma lengalenga? Exacto, os negacionistas ou amigos das Teorias da Conspiração.
Iluminados numa idade de trevas, pertencendo a uma casta à parte apesar de cilindrarem a ideia de casta, são woke — estão, segundo eles, acordados. A injustiça sistémica acorda. Eis uma desculpa para quando chegarmos tarde ao trabalho: o despertador da injustiça sistémica não tocou, ao que o patrão ripostará: não passas de um colaborador privilegiado.

A descrença no objectivo oferece palco a teorias de lunáticos.
Na melhor das hipóteses, actua como uma camisa-de-forças na liberdade de expressão, dado que cada palavra é escrutinada até à náusea. Na pior das hipóteses, citando Helen Pluckrose e James Lindsay, trata-se de uma forma mal-intencionada de intimidação e, quando institucionalizada, representa uma forma de totalitarismo.

Cada frase é conduzida para uma câmara de desvirtuamento e problematização. Durante este processo a frase inócua transforma-se na principal causa da humanidade estar como está. É como uma mulher estrangeira atravessar uma rua pejada de velhas à janela: entra pura e sai puta.

A crença de que a sociedade é composta por sistemas de poder e hierarquias que decidem o que pode ser conhecido e como — esperem lá, estamos a falar de académicos ou de loucos das teorias das conspiração? De facto, esticando a corda ao limite, podemos entender o pós-modernismo aplicado como uma teoria da conspiração nascida no meio académico. Há uma diferença que torna o pós-modernismo aplicado na maior teoria da conspiração de todas: não há conspiradores, uma vez que não existem atores reais a puxar os cordelinhos. A consequência é um hiperactivismo pessimista ou delirante que se ocupa a desconstruir e a problematizar tudo o que mexe. O seu niilismo galopante transforma o diálogo num alimento impróprio para consumo.
Num mundo excessivamente fluído, desconstruir e construir são sinónimos.

Nesta era de espaços seguros, piadas almofadadas e sorrisos amarelos, estou céptico perante estes novos cépticos que descobriram nas metanarrativas uma nova espécie de holofote. Que é como quem diz, privilégio.

Sou oprimido, logo existo

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