Roberto Gamito
01.12.20
Talvez nos tenhamos tornado demasiado lentos, demasiado sérios, preguiçosos, lunaticamente embrenhados nas certezas adquiridas na candonga para ver o mundo com outros olhos. A ideia de que o mundo pode ser outra coisa apavora-nos. Refugiados no nosso castelo de cartas, onde enceleiramos as nossas noções sobre mares e terras, aves e árvores, pessoas e demónios, repetimos numa prece tartamudeada que somos reis e senhores deste cosmos raquítico. Usamos o cinismo a sangue-frio.
Todavia, em momentos de maior clarividência, gostaríamos de ter a oportunidade de sorrir e experimentar sem engulhos a ingenuidade da criança. Agarrar no mundo sem manias nem fórmulas, ser um romântico, idealista ou utopista de joelhos esfolados. Ao enjeitarmos a via de um novo olhar, damo-nos conta do nosso compromisso com o lado sombrio da existência. Essa atitude de recuo diante o novo olhar mina-nos até aos ossos. Somos incapazes de nos despojarmos das antigas peles.
Volta e meia, não sei se por obra do acaso, se por obra do destino, cruzamo-nos com jogadores viciados na aposta sentimental. Apesar de exibirmos um semblante rígido, um tudo-nada pedante, um tudo-nada narcísico, (a mentira de que sabemos tudo transformada em ópio), surge alguém dos arrabaldes de um verso forasteiro, perfumada e doce, selvagem e inesperada, apostando que há mais para além da pose de gárgula toda bazófias, lançando um palpite preciso sobre quem se acoita debaixo de tanta pedra. O amor é uma espécie de Miguel Ângelo. É quando, ao olhar para o outro, logramos ver a estátua enterrada no mármore. Finalmente chegamos à tona do mármore, como se regressados do inferno. A face adquire feições antigas, tornamo-nos ávidos consumidores de vida. Glutões do palavreado, viciados em perfumes que nos enobrecem. É arte, é magia, é o Homem renascido graças ao olhar novo do outro.