Roberto Gamito
07.12.20
Se se deu ao incómodo de ler esta linha de índole estapafúrdia, peço, apardalado leitor, que consulte o seu médico de família. Não obstante não ser nada de muito grave, é preferível tratar do problema quando este ainda tem proporções modestas.
A minha posição (no que se refere a planos para o mundo, equipas da minha predilecção, iguarias fumegantes, posturas no sofá) não é uma idiossincrasia: é sinónimo de compenetrado estudo. No mínimo, apresentar-vos-ei um rol de baboseiras ponderadas.
Em tempos macacos como este, norteamos a vida por essa estrela contemporânea a que chamamos ‘normalidade’. Em chegados ao destino, encontraríamos, tal como está plasmado nas bíblias do capitalismo, o Menino Jesus polido, barato, a cheirar a novo e a um preço muito competitivo. Mas retomemos a normalidade com a mente generosamente aberta. Não é necessário ser nenhum intelectual com a quarta classe mal feita de modo a notar que o vocábulo está vulnerável a receber um espectro enorme de interpretações. Em linguagem corrente, é uma palavra que dá para tudo.
Não sou apenas eu — criatura solitária, fadada a um abismo ilegível e discurso facilmente negligenciável — que considero uma atitude assaz desagradável invocar a normalidade como se esta fosse o mais robusto dos argumentos. Por norma, evito socorrer-me do sopapo de modo a travar essa maré de imbecilidade, mas não é por falta de vontade. Em suma, tento ser humano dentro das minhas limitações.
Todas as pessoas razoáveis — não esquecendo tratar-se de uma espécie em vias de extinção à qual os biólogos e activistas não passam cartão — concordam comigo, condenando a ideia de normalidade ao terreno da estupidez maleável.
Diante da turba afeiçoada à normalidade — uma normalidade posta em discurso, mas refutada no acto — estamos totalmente sós.
Ao divergir, que é como quem diz pensar, oferecem-nos a cédula de eremita e nunca mais falarão connosco. Quando frágeis, carentes do calor da aprovação, damos por nós a ensaiar desculpas, vozeando o equívoco que antes nos parecia nitidamente absurdo, todavia é demasiado tarde. Mal abrimos a boca para enveredar por vias alternativas, somos logo engavetados no ataúde dos parolos.
Doravante somos beneficiários desse desprezo. Qualquer proposta de reconciliação transforma-se numa oportunidade perfeita para nos relembrarem o quão somos ingratos. Embaraçam-nos citando as nossas ideias com um tom apalhaçado. Rimo-nos, dado que não há outra escapatória. Por mais intelectualmente seguros que estejamos dos nossos raciocínios, somos criaturas profundamente sociais. Cientes do erro, encaminhamo-nos para a mansarda.
Eis o preço avultado de abrir a boca contra a turba.