Roberto Gamito
24.08.21
Houve um período graúdo durante o qual se achou que o humor possuía o condão de retirar o gume às situações. O humorista faz parte da comitiva dos Homens que chegam depois, os retardatários. Um cronista peculiar da tragédia. Enquanto uns exaltam os mortos e outros os ocultam, o humorista diz: Espera lá! Não me digam que estes bandalhos tiveram o desplante de morrer. Logo hoje que me apetecia ser feliz.
E nesse “espera lá!” face à morte, o único acontecimento sem segundas versões, o comediante despoja o Homem do medo. Nesse momento a faca deixou de cortar. Tal é o mérito momentâneo da comédia. Convém não enveredar pela senda do delírio e postular parolices como o humor salva. O humor amortece um golpe, o gume da faca rapidamente retoma o seu lugar. O que não faltam aí são oportunidades de apanhar no lombo. Enquanto guarda-costas, a comédia deixa um bocado a desejar. Aplaca meia dúzia de golpes e de seguida põe-se a narrar a cena de pancadaria, argumentando que descobriu a sua verdadeira vocação.
Antes de nos tornamos fanáticos de certas ideias mais rebuscadas, é vital não esquecer a pergunta formulada por Rosenstock-Huessy: Não estará a linguagem ao serviço do momento?
Seja concisa ou rombuda, a linguagem é um fragmento, ficará sempre algo por dizer. Haverá sempre lugar para subentendidos entre quem manda e quem recebeu a ordem.
O humor é conciso; o homem actual é rombudo. São inconciliáveis. O medo de ficar algo por dizer obriga o Homem a narrar minuciosamente cada gesto, cada movimento do pensamento, a justificar cada respiração e a desculpar-se por cada palavra. Resultado: dizer demasiado adia a acção, oblitera a tensão.
Em todo o caso, a sua missão está votada ao fracasso. Por mais detalhada que seja a sua narração nunca será capaz de dizer tudo. Chegará o dia em que até o resumo será desaconselhado.
As palavras certas terão de aparecer, caso contrário haverá problemas. Palavras como patrocinadores. Quanto mais rombuda é a linguagem, mais diluímos o fogo. Se não queima, não é comédia.
Há um traço comum presente em quem levou a sátira ou o humor de forma incomparavelmente séria. A desistência após perceber que os predicados da comédia não passam de ficções. Kraus, à cabeça.
A comédia combateu bravamente durante milénios, chegou a hora de arrumar a trouxa e descansar.