Roberto Gamito
23.12.20
A tortura imposta pelo relógio. A quase perpétua corrida contra o tempo da qual ninguém sai vencedor. Não é difícil compreender que aquilo que nos desassossega é o sentido disto tudo.
A arte é, se vista do ângulo da luz, um conjunto de tentativas bem-intencionadas de persuadir o Homem a ceder à sedução da vida e do mundo. Apesar de tudo, do cardápio de declives e pés que nos espezinham sem folgas, há qualquer coisa neste turbilhão de insignificâncias que importa ser apreciada. Urge encontrar o olhar certo para ver a vida como ela merece ser vista.
Sumariamente, estar vivo é melhor que nada.
A pequenez das nossas façanhas, aliada à nossa desenvoltura em levar a cabo as mais diversas trapalhadas, não esquecendo os enguiços, os equívocos, as dissonâncias entre o pensamento e a acção, conduz-nos a um pragmatismo árido que nos agrilhoa. Procuramos ser compinchas do aqui e do agora, ainda que disso tradicionalmente não façamos alarde. Um magro contributo, é tudo quanto podemos oferecer ao mundo.
A paródia de ridicularizar a nossa existência consiste, em parte, em nos distanciarmos das nossas manias de grandeza. O vocabulário da paródia, raramente posta em palco, uma peça escrita na nossa cabeça, escutada pela nossa multidão de eus, reduz drasticamente — brinco, sensivelmente — a nossa vontade de nos atirarmos de um precipício. O nosso ego sai escangalhado, é o preço a pagar para não enlouquecer.