Roberto Gamito
24.03.21
Um séquito de seres cabeçudos e pícaros ocultam o verdadeiro pateta que lhes confere movimento. É uma máscara que lhes sai do pêlo. Uma certa superficialidade no tratamento do cabeçudo, o escasso arsenal intelectual e literário sobre a vida do dito, uma pouco agradável rigidez marmórea conduz-nos a uma visão empobrecedora do sacana. Será isto o Carnaval?
Escrito o prelúdio pretensioso, avancemos para o protagonista.
Era uma vez um pénis que entrara no Reino do Tesão com o fito de desencantar a boa da folia. Em mais de um sentido, podemos afirmar que a razão se deixou ficar para trás. Grosso modo, falta-lhe fôlego para competir com o pau assim que este aviste terras recreativas. Não é assim que ocorrem as coisas, exclamarão os mais nervosos. Camadas e camadas de artifício adquiridas pelo Homem, não sei se a gosto, se a contragosto, de molde a lograr esquecer-se da sua verdadeira natureza. Sob as várias camadas de verniz, a saber: a educação, a pose, a língua esconde-se um animal de braguilha irrequieta.
Engaiolado nas calças, às vezes, dorme um outro animal que, qual fiel canino, desperta quando sente o seu homem perigar face aos venenos de uma anca pneumática, como que a lembrar-nos de um destino que nos une.
E eis que o homem fá-lo sair das calças, como fizeram os seus antepassados, para o sujeitar ao escrutínio de um olhar amiúde faminto. O que se segue é responsável por alguns dos melhores livros presentes nas prateleiras da memória.
O pau conseguiu, pelo seu talento em entesar-se e pela sua obstinada busca da felicidade em sítios — buracos e restante família de orifícios — desaconselhados pelos magos da simbologia, que os pintam como abismos, transcender a sua condição de companheiro mudo para, de chofre, ser o jóquei do homem. O pénis, que até então apostou em nós, toma as rédeas da situação.
O pénis recorda-me o potencial do Homem. Não era ninguém, mas, surgida a motivação, ganhou ganas de se imortalizar. Uma inspiração.
Introduzindo uma corruptela na fórmula de Caravaggio, a picha alcança uma das verdades mais insofismáveis: não há Belo sem tesão.
O pénis, conhecido também como pincel, é um artista. Onde a sua arte mais inegavelmente se afirma é no tratamento do nu, que, em havendo hipótese, pinta com dedicado afã. O que é a sua missão senão a arte?! Não respondam, é uma pergunta retórica.