Roberto Gamito
10.03.21
Arde o turista diante do quadro. Favos de mentiras, o auge do mel. Música de fundo, um pouco triste, muito humana, realça o dissabor. Próximo da fonte, o mensageiro tenta bebericar o seu reflexo. Os invólucros das frases caducas entregues ao baile do vento. Ilegível pássaro, canto trancado, poesia sem sangue na guelra.
Na queda eunuco afónico
nem fode nem sai de cima
nem canta nem sangra.
Uma pitada de desespero.
Reentremos na prosa
pela porta das traseiras.
O atoleiro onde os sonhos se desfizeram, simulacro de areias movediças. Pontapés no coração, penúria sentimental. Abrimos o jornal como quem já viu quase tudo; solavanco nas páginas destinadas à morte. A facção dos vivos. Num ápice, passam para a outra facção. Cabeçada imprevista numa quina e adultera-se um caminho que, segundo algumas línguas, ignoro se as mais fiáveis, era o da rectidão.
Intrujice estrangeira a reluzir para deleite dos parvos missionários.
Eclipse tentacular, presa inerme no meio dessa selvajaria de tentáculos e tinta. Homem, papel que estrebucha. Alcanço a inédita definição, não consigo pronunciá-la. A minha língua ficou para trás ou debaixo do pedregulho de Sísifo, não faço ideia.
Poupámos o fôlego para que, chegados ao inferno, gritássemos como tenores. Aquele olhar de gárgula omitia uma cidade inteira. Corpos dessincronizados, o lume exige marcação. Entretanto arrefecemos.
No calendário marquei os dias em que me devia reerguer. Claro, o desolado celeiro de coisa nenhuma. Não há interpretação capaz de salvar esta colheita.
Lacre, mensagem passando de cavalo em cavalo, de língua em língua até alcançar a margem do silêncio.