Roberto Gamito
05.03.21
A ilha ou o Homem. Não ter futuro é estar privado de querer. Sonhos no prego, dias de porcelana. Tarefa gravada na cabeça, amanhã fóssil. Gesto volátil emboscado por uma alcateia de lobos defuntos, que é como quem diz, a interpretação desdobrada em mandíbulas. Cantigas e choro saram à vez o bípede. Menino nos braços, miniatura de paraíso. Como é possível que tenham chegado até aqui? Conheço os bárbaros, mas quem são os outros?
Cérebro, coração, mão, pé…cada um para seu lado.
Os fantasmas foram rejeitados no passado, só agora conseguiram ganhar raízes. A depressão. Ludibriaram-nos sem que percebêssemos, privaram-nos da dança, de movimentos alternativos. Sem a liberdade de levar a cabo um gesto desta natureza, o futuro colapsa.
A mão lateja como o coração, os pés, desnorteados como o cérebro, perdem-se nos sítios do costume. O cérebro está vazio como uma casa em ruínas.
Rosário de vozes: falar, rugir, regougar, arensar. A metamorfose abrupta, consumada em plena queda. O vulto tira a camisa, o Minotauro dá a cara de tronco nu, o labirinto reaparece renovado com todas as suas sombras. No meu peito uma bomba indecisa: explode e implode alternadamente. Apesar deste conhecimento convicto da incerteza, melhor dizendo, de uma profecia que nos esmaga, não abdico de sorrir quando avisto um cometa.
A arte é uma âncora lançada no coração da tempestade. Como que me protege, como se fosse embaraçoso sair incólume da catástrofe. Quanto tempo até deixarmos de reparar que saímos do fogo com as mãos em brasa? Uma cólera cantada, decantada em verso, um embate com aquilo que nunca teve corpo. Destinados a perder, erguemo-nos por piada. Saltamos de jugo em jugo até à gaiola perfeita.