Roberto Gamito
23.11.20
Como sabem, sou um menino avesso à lógica — a não ser — a não ser que as ideias contem para o currículo. No entanto, há dias em que nos sentimos desiludidos com o olhar granjeado até então e decidimos, provavelmente estupidamente, encetar uma rota inédita com o mundo como se fôssemos um Marco Polo amigo da pândega. Nada tem menos graça que o mundo actual, porém é o que nos calhou na rifa. Até ver, a minha carteira não me permite grandes loucuras, género apanhar um vaivém e ir até Marte só com intuito de abrir os horizontes para novas larachas. Resta-me o consolo de uma loucura caseira, mais à medida das minhas possibilidades de pobretanas. E cá estou eu, às voltas no quarto como um tubarão depressivo.
Ao ouvir as palavras de um velho, um burro do caralho, recordei-me de Twain: A sensibilidade pode ser treinada. Sorri para o velho, ou o burro do caralho, dei-lhe um falso bom dia numa dicção de rádio e fui à minha vida. Mas que raio disse o velhote?, questionam vocês, num tom que tem tudo para me desagradar. Vamos lá ter calma, Roma não se construiu do pé para a mão, aliás, uma pessoa comete a insanidade de pôr um chão que, na boca do pedreiro, trabalhinho para durar um dia e a coisa arrasta-se durante um mês. O mesmo sucede com as relações. Pensamos: vou só lá pôr a cabecinha e vou logo embora, mas quando damos conta estamos casados há trinta anos.
Vamos lá atacar o problema. O velho proferiu: “É sempre a mesma merda, está cada vez pior”.
Embora não seja génio nenhum, percebo que, em cavaqueira de taberna, os padrões da lógica permaneçam rasteiros, todavia há mínimos abaixo dos quais devemos intervir à bastonada, caso seja preciso manter a paz de espírito. Se é sempre a mesma merda, não pode está pior.
É uma merda mutável, em franco crescimento, como se fosse uma empresa a mentir quando está em processo de recrutamento, logo não pode ser sempre a mesma merda.
Entendo que, para tirar as teimas, era necessário realizar um trabalho prático e não há vontade nem candidatos para consumar a tarefa. Quem, no seu perfeito juízo, aceitaria a labuta de embrenhar-se na merda a fim de verificar a sua natureza? Uma merda é merda aqui ou no Japão, exclamará o leitor mais apressado. Tem calma contigo. Há o factor cultural. Depende da origem da merda. Na Índia acariciam-se com bosta de vaca e esguicham mijo bovino porque se acredita nos poderes divinos do bicho. Ou seja, a merda está sujeita a interpretações. Excluindo o lado cultural, a merda depende do observador. A merda será uma coisa para um tipo deprimido e outra completamente distinta para um tipo apaixonado. Para o deprimido, a merda será sobrestimada, o que, em condições normais, o afastará de mais merdas. O enamorado, pelo contrário, subestima a merda e, no pináculo do tesão, é menino para ver qualidades na escória. A vida do apaixonado pode parecer uma latrina emporcalhada até ao tecto e ele vai senti-la como uma loja de perfumes. Enfim, é gente que devia ser encaminhada para o hospício.
Será que somos incapazes de ver a merda como ela é? Uma boa questão, à qual se esquivaram os filósofos de todas as eras.
Seja como for, a vida, boa ou menos boa, é sempre a mesma merda. E está cada vez pior.
(The House That Jack Built)