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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

17.11.23

Não entendo o festival de parangonas à volta dos escândalos políticos: corromper e ser corrompido são actividades que merecem remuneração — é trabalho. 

Ao trocar o modesto Peugeot 106 — não confundir com o opulento Peugeot 106, o qual passa pelas lombas com o vagar de uma princesa — pelos altos voos da corrupção, tudo isso patrocinado pela TAP, e só nos orgulha, dá-nos a conhecer a propensão para o deslize da malta que decidiu enterrar o dinheiro no tuning. Em faltando os recursos vindos de mãos sujas no entanto generosas, contentam-se em fabricar um avião caseiro segundo os altos padrões estéticos da Joana Vasconcelos após uma noite mal dormida. 

Eu, que me sinto mais ignorado que um parecer de um biólogo em altura de escavacar zonas protegidas, sabia, à semelhança do MEC, que o tomate ia acabar. Entrementes, raciona-se ketchup mais à esquerda numa batalha de guiões de fraca qualidade. Ao esburacar a estrada para o futuro, o nosso ex-primeiro ministro revelou o seu lado budista, obrigando os portugueses a concentrarem-se no presente.

Portugal, que nunca foi grande, mergulhou, graças à incerteza política, no mundo quântico. Cada pigarrear é uma bola de pêlo figurada — uma homenagem ao Gato de Schrödinger. Em termos mais provincianos, o político podia socorrer-se de uma verdade absoluta. As coisas pioram com o tempo. A culpa é dele, do Tempo, que é um espatifador omnipresente. 

António Costa fala em abstracto, eu respondo triângulo, círculo, Rothko, Playstation. O que leva ao delírio virgens, gamers e espelhos. 

Pessoas saltam da piada para a ética e de seguida para o plano legal. Aplaudo: eis um belo exemplo de parkour intelectual. 

Empatia, vocábulo que é pau para toda a obra, esteja ela parada ou a correr pelos corredores da burocracia, tornou-se ubíqua. Segundo o entendimento de pessoas precipitadamente entendidas no assunto, pedir desculpa humaniza o homem e o político. Pela lógica, Nuno Markl seria o mais humano de nós todos. Raciocínio ousado. Invejo os politólogos: a sua ingenuidade sobreviveu aos estudos e à vida adulta. Se no caso do Wally o desafio é encontrá-lo, na empatia o desafio é precisamente o contrário. Ofereço um jantar se não a encontrarem no discurso político. 

Noutras coordenadas, que é como quem diz, nos arredores do nosso fado, o grupelho chegano foi brindado com pontapés, empurrões, água, sumos. Em Portugal, chama-se a isto protesto aceso, em África ajuda humanitária. Se houvesse serpentinas, estaríamos no Carnaval de Loulé. 

 

operação influencer


Roberto Gamito

06.11.23

Não tenho credibilidade para falar de migração de cérebros, nem de gnus, nem tão-pouco de andorinhas, olhem para mim, durante esta pausa humanitária patrocinada pela barbárie, o último grito da hipocrisia antes de o Homem se finar, reparem bem em mim, pobre português de fato de treino puído pelo sedentarismo, sem vocação para o eufemismo, eu que dou um euro pela bica sem uma pinga de retaliação hábil em dar voz aos meus direitos. É pagar e calar e não falar nos direitos humanos. E ainda ter orgulho de ter sido roubado — não nos devemos agarrar a velhas ideias, actualizemo-nos, o roubo faz a economia andar.

O apetite do governo português por cérebro estrangeiro, iguaria de fazer crescer água na boca no canibal mais apolítico, faz as delícias do velho que treinou os maxilares noutra gastronomia, a da escassez. Qual é o engodo certo se o intuito é ludibriar o cérebro? Em tempos idos, adiantaríamos: pipi. Desgraçadamente, o pipi já não é pau para toda a obra —confidenciou-me um ex-bissexual, o que ofende e desprestigia os antigos cultores do pipi e a actual comunidade LGBTQI+.

Ambicionamos fixar miolo estrangeiro, pensa o ventríloquo do governo, uma vez que o do governo está em período sabático até tempo indeterminado, comunicou-me um médico. O miolo nacional, em havendo, uma vez que surgem ensaios por todo o lado que confirmam a sua extinção, reflecte em português e só isso constitui uma desvantagem irreparável. Não obstante as enxertias de termos lá de fora, os tais cuja função é adicionar um ar de contemporaneidade ao mesmo tempo que espatifam a gramática da frase, tornando-a balofa com muletas linguísticas importadas, crazy! Portugal, um país que não produz nada, nem muletas linguísticas. Só o fado pega de estaca nestas tristes terras estéreis. Se querem escavacar a fluidez do discurso, façam-no, mas com prata da casa. Não dou dez anos para o ‘basicamente’, ‘tipo’, ‘mas ya’ e a rainha actual das muletas, ‘imagina’, serem votadas ao esquecimento, abandonadas no sossegado estaleiro da quinquilharia vocabular. 

No futuro, seremos ingleses que adicionam um mero vocábulo português nas frases como quem preenche as quotas da inclusão.
Não nos percamos na amarga realidade. A apetecível cachola nómada, se quer continuar nómada, recusará sempre a fixação. Em suma, será sempre um animal inquieto, desassossegado, ou, se preferirem, o predilecto dos bichos carpinteiros. Numa economia de movimento, em que nada pode parar, caso contrário daríamos conta que o progresso não é senão a maior ilusão de todas, em que nada começa nem nada está, de facto, terminado, não favorece a criação de cérebro sedentário. 

Há cérebro a entrar e há cérebro a sair de Portugal. Como o cérebro mantém o obsoleto costume de se fazer acompanhar pelo resto do corpo, nada podemos comentar quanto ao acréscimo ou decréscimo de qualidade. 

Todavia não seria descabido criar um mercado de transferências durante o qual se comentaria as saídas e as entradas dos miolos com base no seu potencial. Este cérebro, vindo de Inglaterra, dar-nos-á a cura para o cancro; volvidos uns meses, está num banco de uma pastelaria da moda, a escrever um post motivacional para o seu blog; este, grande promessa do cringe mundial, proporcionar-nos-á toneladas de vídeos constrangedores; passadas três semanas já está a cumprir. Nem todos podem ser o Cristiano Ronaldo do pensamento. 

Não obstante os radicais pensadores, os quais afiançam “o cérebro é uma construção social”, basta reparar no sucesso dos YouTubers, é inegável que os números são impressionantes. Numa época em que o comentário ao corpo alheio é desaconselhado, e é assim que a língua murcha, reservamos o espanto e o comentário velhaco para números inesperadamente avantajados. Em 2022, dez mil e oitocentos nómadas digitais de carne e osso resolveram escolher o Porto como secretária em cima da qual vão dedilhar lucrativamente os seus portáteis — o que há-de enfurecer o português de classe médica, o qual, nem sentado nem de pé consegue enriquecer.

Outras seitas de pensamento menos radical garantem-nos:  “a dinastia do pensamento está prestes a acabar, logo o cérebro terá o fado do apêndice”. No máximo, será um bibelot que o homem transportará de um lado para o outro como homenagem a outros tempos. 

Se isto me tira o sono? Não, o motivo das olheiras é outro. Preocupo-me mais com a fixação de boa mama estrangeira e falta de incentivo a que a mama nacional se mantenha onde está, ou, respeitosamente, na minha vila. E mais: se os jovens, dotados de bons corpos esculpidos a ginásio e a proteínas da Prozis, com alegria para dar e vender no Onlyfans, ao irem em busca de melhores condições de vida no estrangeiro, deliciam autóctones de outros países enquanto o português fica refém de uma paisagem pobre em bom e inspirador decote — é isto que me tira o sono, cavalheiros. Espero que o governo português dê condições às mamas nacionais, e, em havendo folga orçamental, ao cérebro português — que nem são dos piores do mercado. 

 

Migração de cérebros nómadas


Roberto Gamito

03.11.23

Que bela tarde para arranjar uma nova leva de inimigos.
Bem combinado, despachava já isso, em menos de nada vou-te ao focinho, comunicar-me-á o apóstolo da rixa. Estás disposto a penar por isso, questiono eu sem gaguejar em nenhuma sílaba com uma rosa nos dentes, sem descurar nenhum espinho. O que pode sair daí? Um cadáver ou uma amizade. Arrisque-se, a hesitação demorada é um assento para cus de passagem. Ó amigo, a minha intuição segreda-me que é possuidor de uma cabeça que nunca conheceu uma ideia. Confirma-se o boato que é um imutável burro?

A hipocrisia morde-me as tripas, e diabos me levem se não hei-de erigir do negro da ardósia a relação entre hipocrisia e número de peidos; porra, que a vida adulta nunca me impeça de dizer as verdades. A hipocrisia cai-me mal e começo aos saltinhos — e ninguém se abalance a chamar isto dança contemporânea. Os leitores, que é como quem diz, os que não espatifam os olhos em qualquer linha, preferem-nas de boas colheitas, caíram que nem patinhos alfabetizados, engodados pelas gordas da publicidade cujo ofício é trazer os canhenhos aos ombros, ora pelos holofotes que separam o trigo do joio, e atiram ao lixo o trigo e celebram o joio, ora pela avalanche de números debaixo da qual os anónimos e os aspirantes a qualquer coisa mais em voga são enterrados às pazadas, andam a encher o bucho episodicamente requintado com aquilo que lhes atiram para o prato — espertos, para casa levamos tudo, até pedras. Abdiquemos de torturar os patifes que caíram na armadilha de nos ouvir por mais de trinta segundos, usemos essas sobras bolorentas de humanidade para pedir afinadamente mais um copázio ao taberneiro. Os mundos possíveis? Assassinei-os todos na imaginação, cada qual com um precipício de autor. Não tarda estou mais velho e hão-de principiar-me a falhar as palavras e terminará o carnaval vocabular onde mortos encimam abutres numa cavalgada de raiva e delírio. Eu, que não tenho tempo para mim nem para fodas más — alguém que foda por mim —, que fiz da minha memória uma vala comum dedicada àqueles que podia ter sido, reergo-me desse magma de universos abortados com a pele de Ícaro, entoando com as notas todas na língua um hino luciferino.

Noutro dia, naquelas horas durante as quais o olhar não é suficiente para encetar um poema, é possível observar no espelho o desgaste violento, aflitivo, qual parque de diversões comprado pelo abandono, o presente e o que há-de vir, todos os tempos empilhados na mesma imagem assustadoramente superficial. Não fosse o ego, e o homem não seria tridimensional. Não sendo uma personagem redonda nos piores dias, mantenho-me gordo — e isso há-de ter algum valor, nem que seja para o palato de alguma — permitam-me o sonho — nutricionista literata.

Não sei onde começa e acaba o teatro de marionetas. Finjo-me livre; no entanto, quando me iço, sem recurso a refrão alheio, seja ele oriundo da esfera poética, ou mesmo das províncias mais oportunistas, sou eu que me levanto. Que fado triste, cantem este, ó neofadistas da construção social, a marioneta descobre que a mão que a manobrou durante tanto tempo, à qual dedicou templos e livros não é senão uma extensão mais obscura de si própria, a qual se habituou a viver no breu dos bastidores ou atrás de uma cortina onde a luz do reconhecimento não alcança, isto contou-me um morcego dedicado ao espectáculo.

Pobre autómato de carne e osso, tenham lá calma direi eu, caso ouça essas palavras.

Numa escrita fragmentada, a união é a capital do cuspe, não foi feita para durar, tão-só para adorar, apinhada de palavrões, sexo e banquetes, na volta ressuscitamos Rabelais e Sterne numa nota de rodapé e saímos de um pensamento marginal aos tiros, vasculhando na podridão dos outros as pepitas nossas, oscilando entre a frase curta e a barroca, que aqui ninguém pára enquanto houver fôlego — o uso diabólico da linguagem e tumultuá-la sem concessões para que, amanhã, possamos colher mais uma tonelada de diabos e cumprir a profecia de Baudelaire.

As vossas vitórias alardeadas por tenores contratados para o efeito são bonsais sãos porém despovoados, a passarada não quer nada com a vossa pequenez, a acidez deste tempo reduzirá o vosso gigantismo de andas a uma lenda de vão de escada; um pouco mais de grito e um pouco menos de legenda, pintem o quadro com os restos do sangue e terão entre os vossos críticos os maiores vampiros.

À força de escrever sobre o humor acabei por acreditar que ele existia. Espero que não haja margem para negociações.

 

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Roberto Gamito

30.09.23

O tom de voz usado pelo grupo, do qual sou apenas espectador, recorda-me da minha condição de forasteiro. O meu, inspirado num abismo, não vai nessas cantigas. Nisto dou conta que só logro conversar com desesperados. Regressei à minha vida ontem, e a interrogação, que me ocupou a cabeça e de seguida a mão, incidiu sobre os obstáculos, os verdadeiros e os fictícios. É como se um eu que podíamos ter sido tivesse saído a correr da nossa vida actual rumo ao futuro e tivesse semeado generosamente obstáculos pela nossa biografia. À experiência cabe a ingrata tarefa (ingrata porque amiúde votada ao fracasso) de separar o trigo do joio no concernente aos obstáculos.

Rompo com o vaivém monótono da vidinha, pêndulo de duas perninhas capaz de adormecer sereias, e dirijo-me com ganas de povoar a cabeça com luz e perfumes. Um jardim, uns patos, flores para as quais não tenho nome. Cogito: o melhor é sair daqui o quanto antes, seria uma tristeza inclinar-me para a poesia. A língua, que muda a própria natureza, é um jardineiro ébrio. Os dias acotovelam-se dentro da cabeça e deles ignoramos quase tudo. A concentração já não abre caminho através da floresta do silêncio, nem obriga a vir à tona certos nomes. É o desfazer-se da verticalidade imaginada — se preferirem, sonhada — na juventude. Os dias foram surgindo sem que lhe farejássemos as intenções, uns atrás dos outros, subtis e liliputianos, e arrumaram com a altura do gigante. Não demos conta da cilada. 

Possível epitáfio: vou descer fingindo que acredito. Adiante. Faço o possível por não engolir o labirinto, confidenciou-me o Minotauro, nas entrelinhas da minha respiração. Apagado o fogo, desenhamos nas cinzas um nome que outrora confundimos com norte. 

O olhar frio é ineficaz: as obsessões apodrecem a caminho da mão esquerda. O cérebro, o citador de ruídos, principiou a encher-se de mentiras; crê ver no estratagema um alívio. Harmonizei os falhanços no silêncio, pelo que não esperem nenhum canto de cisne. Sou seu súbdito, em troca dotou-me de uma outra espécie de fome. A certa altura está-se cheio de ser-se olhado como animal morto — e depois?

Não fosse ter inventado um falcão a inspeccionar a minha pequenez lá do alto, e teria sido uma manhã como as outras. Este apeadeiro foi incendiado e segui caminho. Voltei-me para os versos de poemas antigos e chorei diluvianamente. O corvo de Noé ter-se-ia banqueteado com esta selva de cadáveres. Em todo o caso, desejo saúde e longa vida aos meus fantasmas, e eis que a luta recomeça. Nós não estamos condenados a abreviarmos a vida num grito. 

 

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