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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

06.03.23

Receio ficar órfão de uma das maiores figuras do contorcionismo português. Com uma flexibilidade de fazer inveja ao ginasta chinês, a nossa referência encolhe-se e espreguiça-se quando é altura de discorrer ou gaguejar sobre saúde mental, identidade de género, racismo, feminismo, gaming e, em pingando nos trends, comédia. A dúvida mantém-se. Tji ou Diogo Faro?

Sensível a certas causas, idiota a certos efeitos, que é como quem diz, negacionista da Terceira Lei de Newton, o humorista, o qual já foi filho do Diabo e de um sem-número de pares de tomates ao longo da História, basta queimar pestanas com livros dotados de letra miúda, é uma pinhata compósita que atrai para si uma chusma de paus ávidos. Lembro-me de falar com a minha agente, contou-me um palhaço de renome, e dizer-lhe: "levar com um pau no lombo tem tudo a ver comigo". Enquanto manobrador do pau, autor de futuras vergastadas, cabe-me a mim, supondo que sou um bobo no activo, singularizar o pau em prosa, isto é, pôr a cacetada em obra. Não é despiciendo frisar que a chibatada é uma chibatada figurada, que vem dar ao mesmo, uma vez que o verso atirado raivosamente na altura certa magoa mais que uma vara nas canelas. Tenho, como todos vocês, receio que isto acabe.

Não quero incomodar Deus com questões menores, todavia, em tempos não muito recuados, nos tempos em que as pessoas ainda pensavam, dez dias após os animais perderem a fala, o comediante tinha um trabalhinho que era um espectáculo — contagiar a turba com galhofa. Presentemente, há uma franja de seres pensantes que crê, religiosamente, que o humor serve para fazer pensar. Não me oponho, apenas retruco com este magro desabafo: quer dizer que há pessoas que concluem o ensino superior e meia dúzia de workshops, nomeadamente unhas de gel e empreendedorismo (começo a achar que é mais fácil fugir à morte que aos anúncios do Ricardo Teixeira, o empreendedor careca) passam pela vida sem que se acenda uma centelha no miolo, porém, em contacto com este humorista-filósofo descobrem as maravilhas de pôr a cachola a carburar. Pintando a cena a preto e branco, para acentuar o dramatismo e passar uma mensagem política acerca dos preços dos materiais de pintura, esbocemos mentalmente um macho analfabeto, amiúde tóxico, seja pelo discurso, seja pelo hálito, todo esfarrapado a fruir do seu chorudo ordenado mínimo num bar, a molhar o bico numa Cergal enquanto ouve uns comediantes amadores testarem o seu material. E eis que o nosso macho renascido cogita: "compreendo o teu ponto de vista, devemos ser mais empáticos, no entanto se este cabrão faz mais uma piada sobre o Benfica vou-lhe aos cornos."
Outro testemunho: "Comecei a gostar dessas ideias do ponto de vista estético, pintei as unhas e quando dei conta já era feminista."

O Diogo Faro é para os humoristas o que The Office ou o Seinfield são para os humoristas: imperdível. Como série de conforto, uma espécie de Friends cujo orçamento foi todo para as camisas(1), há que revisitá-lo vezes sem conta, é como um clássico, de cada vez que mergulhamos nele somos surpreendidos e encontramos outra gralha.

No que toca à inércia, falhas de comunicação, as carambolas entre as pernas do eco, a vontade de terminar frases com palavras como 'empatia', 'privilégio', 'tóxico', a arte de prosseguir as conversas aos solavancos, bem como encavalgamentos dignos de um poeta beatnik em apneia, e uma miríade de qualidades que lhe são atribuídas sem haver polícia ao barulho, bem como a qualquer humorista, e daí a tese que são pertencentes à mesma espécie, o Diogo é um caso de estudo. Tudo isso é desculpável, só não lhe perdoo o desprestígio a que votou a palavra idiota. As levas de haters que brincam com as metamorfoses acríticas do termo esvaziaram-no de sentido. Idiota é do Diogo Faro como o Algarve é dos estrangeiros.
Basta de farpas, o meu amor pelo humorista activista é como as rendas em Portugal: não pára de aumentar.

Fazendo um paralelismo com uma área que fica nos antípodas do ofício do Diogo Faro, o Humor, essa arte de malditos, é pôr a liberdade por extenso. É um pouco como falar à parva.
Recolhi pareceres jurídicos para saber se é possível chamar Diogo Faro de Humorista. Porém, como não percebo patavina do linguajar dos juristas, fiquei na mesma. Contentemo-nos com a suposição.

O humorista activista, ao contrário da gorda, a mim não me convém. Mas qual é o problema do activismo ecléctico? Empreguemos a mangueira num cenário de incêndio, a qual raramente é usada em terreno poético. Esses bombeiros confusos e amiudadas vezes acagaçados, solícitos a apagar fogos ilusórios das redes sociais e a fugir a sete pés dos verdadeiros, parecem não perceber as limitações da mangueira. Ao tentar apagar mil fogos em simultâneo, dividem as pingas pelas aldeias, resultando em coisa nenhuma. No máximo refresca a poupa, mas o mundo arde na mesma.

Admiro a criatividade selvagem de Diogo Faro, inspirado em Nietzsche põe em prática "não há factos, apenas interpretações" (2). Aproveita tudo o que lhe bate à porta, excepto Jeovás, a isto se chama sustentabilidade. Um apodo que lhe assentaria bem: respigador das redes. O que é difícil não é encontrar o amor, difícil é dar de caras com um insulto original quando o alvo é o Diogo Faro. Proponho até que, daqui em diante, os cursos de escrita criativa se apropriem desde desafio — criar formas inéditas de insultar o Diogo Faro. Não consintamos a sedução por parte de facilitismos do tipo 'burro do caralho', somos melhores que isso. A quem alcançar tamanha proeza será dado o título Super-Camões. Não obstante o desafio embasbacante, não me devo amedrontar. Eis a minha achega, tomem lá uma saraivada de meiguice: polícia de machos, evangelista com paleio importado, paladino do pipi indefeso, monge da inocência, uma vez que são os outros que lhe descobrem a careca, sumo pontífice da baboseira, catapulta de 'humorista', câmara de eco de meia dúzia de citações rapinadas a um doente de Alzheimer, câmara anecoica do seu ego, laracheador indeciso, sacristão da virtude, perito em matéria de toxicidade masculina, analista do vitimário feminino, promotor do vício (também não podem ser só coisas más), portageiro do twitter, árbitro das carícias, fiscal do orgasmo; cumpri, já contribui para o peditório. Tentem vocês agora.

Se tenho alguma coisa contra o Diogo Faro? Nada, a não ser a sua omnipresença. Uma coisa que nunca lhe perdoarei. Respira fundo, não te podes irritar, Roberto. Volta e meia estou eu a espairecer, que é como quem diz, a vagabundear pelo Instagram à cata de mamalhudas, um espécime capaz de me fazer acreditar em Deus e no Diabo em simultâneo, e, inocente, parto turisticamente rumo à legenda da foto, que eu gosto de me instruir, e apanho, de chofre, uma citação de Diogo Faro. São tetas, Diogo, não tens lugar de fala, deixa o decote falar na sua língua. Não oprimas os seios com o teu papaguear. Retirando o bigode desta prosa, mudando de mão, como diriam os poetas, é uma tristeza, uma decadência, o Diogo Faro surripiou o lugar sob as tetas que antes era ocupado por Fernando Pessoa e Saramago. Depois digam-me que a literatura não está a morrer. 

Mas o Diogo Faro não é assim como o pintas, comunicam-me a esbracejar, deixando cair as cartolinas. Vamos lá ter calma, às tantas só me falta dizerem que o Diogo Faro é apenas uma prótese de última geração dentro da qual está o Brendan Fraser, protagonista no filme A Baleia, a escarafunchar o maroto.

Enquanto activista praticante, uma vez que não faço outra coisa senão conversar com velhotes, já me ri com o trabalho do Diogo Faro, não me orgulho, mas já pedi a Deus para me perdoar.
Desabafei; e viveremos felizes para sempre, caso o Diogo não problematize este lugar-comum.

Em todo o caso, há uma pergunta que paira sobre esta crónica. A sua razão de existir. É simples: a série à volta da personagem Diogo Faro, temi que esta fosse a minha última oportunidade de confeccionar comentário humorístico sobre o nosso poeta.

Escudam-se no 'é só uma piada'. Isso é o escudo polido de Atena do humorista. Vocês não estão preparados para ter esta conversa. 

(1) No capítulo do estilo, os humoristas portugueses vêem-no como um mestre. Aristófanes é o pai da Comédia; Faro, o pai das camisas vistosas.

(2) Forte candidato a um lugar no Guiness como ser humano com mais interpretações ao lado. Uma espécie de Umberto Eco, mas sem o primeiro nome.

 

Diogo Faro, Crónica humor, _Roberto Gamito


Roberto Gamito

26.11.20

Permitam-me que convoque para a arena da crónica uma comichão autobiográfica: o pénis. Não me refiro a micoses nem a outras irregularidades na pele que obrigam a mão a visitar a zona marota com frequência, mas sim ao aquecimento global e o que isso implica na vida atarefada do pénis, essa criatura de feitio exemplar que, tal como o cão, se entusiasma aquando da chegada da dona.

Actualmente, sei que custa ouvir isto, mas não há condições para se manter um pénis. Em virtude das amplitudes térmicas, recordem-se que o calor e o frio oscilam agressivamente durante o dia, é impossível ao homem estabelecer uma relação de confiança com a sua sarda. Vivemos num desassossego constante. Pensamos guardar um animal de estatura assinalável, porém, no momento em que vamos exibir o notável bicho à visitante, abate-se um frio rijo, o seu porte evapora e apanhamos uma vergonha. As mulheres sabem lá o que é ser homem, falta-lhes empatia. Torna-se difícil impressionar nestas condições incertas. Fala-se muito do efeito das alterações climáticas na vida humana, todavia ninguém refere o impacto das mesmas no pénis.
Há homens que se ausentam do trabalho na hora do calor para fotografar o nabo, com a permissão do patrão, a fim de o apanhar em todo o seu esplendor. Não é fácil prosperar nestes tempos incertos.
O pensamento é este: ou aproveito esta janela de tempo para aumentar o arquivo que me pode ser útil em determinadas situações que preludiam a fodanga, ou o meu pénis vai acabar sozinho, amargurado e poeta.

O facto de ser impossível prever o encarquilhamento do pénis pode levar o homem à loucura. Já para não falar das possíveis estrias no dito. Tanta mudança de tamanho não dá saúde a ninguém. Como sei que adoram música, o pénis é, por estes dias, um acordeão nas mãos das alterações climáticas.

Deixa-te de brincadeiras, dirão as mulheres. Minhas amigas, estamos aqui a discutir o futuro da humanidade. Não estaria a ludibriar ninguém se equiparasse a vida actual do pénis aos problemas mais sérios da sociedade como a miséria e as guerras.
Precisamos urgentemente de reunir os líderes do mundo para falar no pénis. Deixem a paz para a geração seguinte; sem dar uma vida digna ao pénis não há futuro para ninguém.

O que podemos fazer para te ajudar, Roberto? Primeiro que tudo, interroguem os vossos activistas. Tu tens respeito pelo pénis, senhora activista? Se ela responder “não está nas minhas prioridades”, sejam vocês os activistas que o pénis precisa, mas primeiro indignem-se, estamos a falar de uma criatura injustiçada. Vão para o twitter cancelar esses falsos activistas, uma vez que eles se recusaram a defender os direitos do pénis.
Urge retirar a vida do pénis da obscuridade e elevá-la a tema do dia. Tenham respeito pelo pénis.

Pénis e alterações climáticas, Roberto Gamito.jpg

 

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