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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

19.04.24

Se nos descuidamos, impingem-nos livralhada que calha nem terem lido. No limite, celebridades, encandeadas pela sua pretensa estatura, apresentam, de olhos volta e meia fechados, típico de afectação importada, enquanto puxam ao sentimento quando deviam era impelir à bofetada, um livro que calha nem terem escrito. Toda a gente aplaude e ninguém se enfurece sob pena de macular a grande ilusão. Suspeito que nem às gordas — sejam elas garrafais ou cósmicas — passam cartão. Não vejo isso — nem o mundo — com bons olhos: ignoro se é espírito crítico, se miopia; em todo o caso, não nos entendemos na mesma língua. Numa sessão de apresentação de um livreco em que, partilhando da visão — e amiúde da cegueira — do autor, o compincha de linhas convidado para fins de afagamento (o corrector automático, esperto, substituiu ‘afagamento’ por ‘afogamento’ e só prova que as máquinas já alcançaram consciência há muito) debita umas vacuidades pomposas para gáudio de um público faminto de obviedades, trocam-se intenções de punhetas num tom barroco, e só descansa quando elevar o escritor a génio do século, fá-lo com elogios gerais, ortopédicos, os quais servem para qualquer um e não magoa o andar. No fim aplaudimos com a cara cheia de sorrisos e nem do título do livro nos lembramos. Tal como o velho, o público do certame literário contenta-se com pouco: uma cadeira e um tipo a falar e, acrescente-se sem receio, a secreta esperança de poder lançar o bitaite trazido de casa à mínima oportunidade, qual farnel vocabular, isto e até menos que isto faz com que não arredemos pé deste festival de gagos em que não sobrevive, sequer, uma citação para contar aos netos.

Findo o prefácio laudatório durante o qual o amigalhaço destas lides o matriculou na turma dos imortais, o escritor enceta o guião pachorrento no qual singulariza as suas dores de parto num tom que deveria ser engodo para um sem-número de zaragatas. Põe à borda do prato a dificuldade, deixa-se tentar pela facilidade condescendente, durante a qual despovoa as entrelinhas com um pau, não vá alguma ideia ficar lá a minar o verdadeiro sentido das suas palavras e os leitores abalarem da sessão com mais dúvidas do que certezas, comete erros, uns a propósito, outros a despropósito, a forma mais saloia de se humanizar, de gerar empatia, tal como aprendeu em noites de insónia nesses tutoriais da internet, ele que sem eles não passa de um autómato cuja função é agradar, que é como quem diz, uma puta, e logo das mais precárias, pese embora de solicitude infinita. Não arrisca por medo, não vive por medo, não chega sequer a mergulhar na piscina dos crescidos, não saberia lidar com as críticas, cada ajuntamento é ocasião para pôr em prática o oportunismo, matricula-se em todas as esquinas, fez escola em todas as intrigas e mesmo assim, ao chegar a casa de cócoras com o cu calejado de tanta promessa e com a língua extenuada de tanto nada posto por extenso, pensa: não serviu de nada.

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Roberto Gamito

13.04.24

Esse festival pirotécnico de parangonas com que nos entopem os sentidos e nos atravancam a alma com grilhões é um chorrilho de arrotos afinados pela novidade mais fresca, que ao ouvido mais destreinado passa por sinfonia. A manipulação a que estão sujeitas as multidões põe a marioneta em perspectiva, confere-lhe tridimensionalidade, adiciona-lhe chapéu e futuro, ao passo que nós, tão desgraçados quanto alienados, embarcámos numa viagem inspirada em Flatland. Quanto menos dimensões tiver, menos problemas arranjo, há-de congeminar um matemático virado para a ardósia a mando de uma faca de dimensões e gume respeitáveis. A marionete regozija-se pelo seu destino — o primeiro pensamento assim que a fada lhe confere vida e número de contribuinte.

E eu? Na altura, inferior a todos eles, fui ganhando corpulência e testículos à Rabelais, os quais saltaram marotamente de geração em geração, qual tesouro de família, tipo Santo Graal do baixo ventre, rapinando centímetros e coragem a esses poeirentos cadáveres encalhados nas estantes, inspirei-me, não minto, em patilhas célebres e barbas com obra feita. À conta de leituras metamorfoseei-me num cachalote pitosga e camaleónico, nem negro nem branco, confundo-me com águas e marés com o intuito de me aproximar desse enxame de Ahabs gagos de arpão reformado. Daí para a frente é sem mestre, cornos nos cornos com a morte. Posso finalmente desarrolhar o demónio que há dentro do homem. Hoje ninguém dorme, é dia de festa, o Diabo olhou, novamente, para o céu.

A minha luta, sei-o, é contra o tempo. Doravante é um contra-relógio, licra da cabeça aos pés e cores berrantes que não me favorecem seja qual for o ângulo ou o fotógrafo, e vá de dar ao pedal. Pedalo logo suo. Existir fica para depois. Em face do vasto catálogo farfalhante de bichos, no qual as espécies se encavalitam umas nas outras no mesmo ruído, quer dizer, acotovelam-se com a ideia de entrarem no círculo franzino onde o holofote separa, de longe, o trigo do joio, ou, se preferirem, como se o jogo da reputação fosse uma partida de sumo, estamos todos gordos e em trajes menores;  em todo o caso, quem permanece no círculo está em jogo; fora isso, ainda há, ouvi de fonte precariamente segura no entanto subornável, gente a merecer um elogio ou outro. Avancemos com calminha, a senda até ao próximo raciocínio está pejada de buracos e buraquinhos. Ali vai uma gaja que merecia estar comigo, comenta o macho em idade de acasalar — e isto não é de somenos. Confiscando os voos do ego para divãs que valorizam à medida que coleccionam rabos desejosos de desabafar, anos a fio no funambulismo da adolescência, anos à pendura no carrossel da morte, mas sim, os voos, ao relegá-los para a frieza das fórmulas físicas, como quem chama a genialidade ao gabinete da eficácia com o fito de a abençoar com um sermão antes de a despedir. Encasulados no cacho de âmbar da previsibilidade, a enceleirar raiva dentro de pipas de carvalho, a fazer tempo para a mudança — e reparem que os séculos passam num foguete, Camões que era Camões falava de um Portugal com os vícios de hoje, meus queridos Velhos do Restelo em regime pós-laboral.

A fórmula arruma tudo: quando descortinarem a minha posição inicial — o inferno, o inferno! — e a minha aceleração — luciferina, não há outra — hão-de ir ao tapete e se for preciso até ajudam o árbitro na contagem. Hão-de aproveitar o último fôlego para a epifania de vão de escada. O humanismo é uma coisa maravilhosa, mas como mercadoria.

Não há por aí ninguém para me despentear as convicções políticas, pergunta a mulher no bar num tom que, se os tempos fossem outros, diríamos carregadamente sexual. Já ninguém me arrepia com parágrafos, os quais tombam sem agenda do céu tipo caca de pombo e ali ficam à espera que a burocracia das freguesias desatravanque o caminho da ideia de limpeza para a limpeza propriamente dita; esses filhos da puta — calma, não é daí que nascem as dificuldades e as diferenças entre nós — desembarcam à minha beira com o seu refrão de época alta com a gangrena de quem romantizou a inércia e a elevou a musa só para ter uma desculpa de atar as mãos. É o costume. Entretém de pila murcha. Na versão fílmica, haverá uns tipos a quem o declive vai beliscando a frágil verticalidade até que, esgotadas as forças, as quais foram desbaratadas em punhetas líricas ou alheias com o fito de subirem na hierarquia onde só os sopés são palpáveis, encetam a queda com a lágrima no canto do olho. Pensamento novo. Não é a descoberta da pólvora, mas anda lá perto. Mas filho, cogitará o leitor ajeitando os óculos e os colhões de forma síncrona, para quê estes coices metidos a despropósito? Meu puto, estás tão a leste das quezílias, o verniz da tua pretensa sofisticação ingressou em ti como ácido, a princípio educadamente, e está a minutos de chegar aos ossos. A tua propensão para imitares os quadrúpedes quando a política te bate à porta tinha de ter uma razão que não psicanalítica. Está bem que nos fodem, à grande e à estrangeira, mas foste tu, não foi a tua mãe nem Laio, que permitiu que o verniz assentasse arraiais no esqueleto e ganhasse confiança até se tranfigurar num vampiro.

Outro personagem. Tratam-no alternadamente como génio e erro conforme tocam os reclames. Linhas — isso vi eu com olhos incorruptíveis — de pura genuinidade da candonga, elevada a hino. Os aplausos ante tamanha farsa tiraram-me o sono durante décadas. As insónias ensinaram-me tudo o que havia a aprender: meti o bedelho como um felino ferra os dentes nas goelas da presa, eu que antes havia inventado acidentes para abrandar a locomotiva da fome.

Que campeões deste atletismo de aprumadinhos! Deleitados e tontos, medalhas e cérebros nas prateleiras dos troféus. Tantos gráficos e nenhum é capaz de mascarar o nosso desnorte. Tantos pódios atulhados de malta com vertigens.

Cada influencer está convencida — ou convencido, que os há também em formato macho — que dá guarida a uma dinastia na barriga. O puto é endeusado assim que é escorraçado da mãe — agora aguentem este festival de mimados.

Não me quero armar em juiz, estou nisto, na vida e no resto, com ganas de aprender e desaprender. Se possível, munido das palavras mais ígneas. Nada de descambar em projectos ambiciosos, pelo que não esperem destas unhas nenhuma catedral, o vosso Deus que durma na rua — daqui em diante é o evangelho da pólvora. Desapareçam-me da frente mais a vossa gangrena do positivismo.

Andas a catar de cadáveres alheios piolhos para assim teres pretexto para te coçar, dir-me-ão convencidos que o vosso cérebro quer alguma coisa convosco. São empreendimentos deste calibre que nos catapultam para uma antologia do disparate, destacadíssimos. Não retruco. Está certo, até deixar de estar.

Com ou sem bola, isolei-me com fintas de autor, visto que o esférico é artifício para evitarmos andarmos por aí aos tiros, não foi golo, mas. Um mas atestado de cólera. O meu propósito: um susto na grande área. Falho, todos falhamos, o que muda é o equipamento e o teor dos comentários dirigidos ao árbitro; e nada garante que para a próxima falhemos melhor. O susto não passou: cá estou eu na área, uma e outra vez, qual possesso suado e de calções cheios de terra.

Roubei-lhe tempo. Que estupidez, perdi o meu tempo e o dela. Somos larápios de tempo inexperientes. Envergonhe-se já o leitor, as banalidades, estas e outras, serão regadas a gasolina. Das mil, uma: uma horta de chamas e faúlhas — um milagre da sustentabilidade, só precisa ser regada uma vez.

Festival de parangonas


Roberto Gamito

10.12.23

Tempos houve em que a criança da cidade, ao pronunciar-se acerca da proveniência do leite, respondia com a incompreendida deixa “vem da fábrica” e era prontamente alvo de um sem-fim de larachas e azedumes. Independentemente da corpulência ou da idade do catraio, a criatura em flor transformava-se num alvo indefeso dum circo apalhaçado, no qual o deboche vertiginoso dava mostras de incansabilidade.

O adulto, especializado em problemas desta estirpe, vinha em socorro da realidade e declarava: “o leite vem das tetas da vaca”. E mais: o adulto não se coibia de adornar a sua resposta com um acrescento já célebre: “actualmente, não sei o que é que as crianças aprendem na escola”. Não vou mentir, também eu, animal amigo da paz excepto nos dias de folga, engrossei o refrão da turba sem titubear. O adulto é um bicho que raramente perde a oportunidade de se mostrar superior aos demais. Mostrar-se conhecedor da origem do leite é uma oportunidade tão boa como outras, aliás, capaz de ombrear sem medos com outras questiúnculas, a saber, quem foi Newton e qual o seu legado, enfim, a altura ideal para exibir o crachá precário de homem inteligente. No entanto, o adulto pouco mais sabe sobre a jornada do leite que a sua origem. Sabe que o leite pinga da teta do bovino, sabe que sucedem vários processos de permeio, coisa que é incapaz de especificar sem se atrapalhar e sem fazer uma impecável figura de parvo, e sabe que essas gotas, mais tarde, hão-de parar no copo.
Aqui chegados, é preciso ter em conta que, se a criança não é grande espingarda em termos de raciocínio, o adulto, o qual, acreditando nos livros, também já foi criança, não é melhor, uma vez que já se esqueceu de tudo o que aprendeu em garoto. A criança pode não saber nada, no entanto, do outro lado da barricada, temos o adulto, alguém que salta de bitaite em bitaite, passando ao lado de qualquer coisa que se assemelhe à verdade.

Perante o perigo de perpetuar esta injustiça, tomei corajosamente a decisão de tirar as mãos da cabeça, que lá estavam com o fito de enfatizar o espanto, pô-las no bolso, para sublinhar que não há pressa, e encaminhá-las rumo à folha a fim de rabiscar o meu parecer de perito em assuntos aos quais ninguém parece passar cartão.

Dirijamo-nos ao fulcro da coisa: as crianças da cidade têm razão. O leite vem, actualmente, de fábricas. Quero pedir desculpa em nome de todos os adultos, comediantes, palhaços amadores e pessoas que se deixaram levar, qual cadáver sem personalidade, pela maré do escárnio. Se forem habitantes deste século, que nem é dos melhores em matéria de vistas, não vos terá passado despercebido o aparecimento de inéditas espécies de leite, nomeadamente leite de aveia e amêndoa.

Tal prova, ao contrário daquilo que inúmeros biólogos costumam dizer, gente que anda na ciência sem amor e com os olhos desfocados a pensar que o mundo é uma exposição de quadros abstratos, que os mamíferos ganharam. Dêem a coroa de todos os reinos, animal, vegetal, monera e restantes aos mamíferos. Já não constitui novidade para ninguém, os mamíferos ganharam uma reputação tal que até as amêndoas se alistaram no partido das mamas.
Como apreciador de mamas desde tenra idade, conhecedor da sua polivalência terapêutica, acolho com agrado o facto de as amêndoas terem feito implantes mamários; as mamas nunca são de mais. E, sem mais, o elogio pela delicadeza e a paciência de quem tem como ofício ordenhá-las.

Não obstante a satisfação que é verificar o avanço das mamas até sítios inesperados, urge lermos a situação à luz dos nossos dias. Será uma jogada de marketing ou o jugo do patriarcado a abater-se sobre as inocentes amêndoas que, a fim de continuarem relevantes nas redes sociais, precisam de arranjar mamas para exibir no Instagram e quejandos? Se for isso é triste, embora me faça rir. É o mundo que queremos deixar como herança aos nossos filhos? Um mundo que obriga a aveia, amêndoas e outras da mesma laia a tornarem-se mamíferos?
Como é que os vegetais e frutos que não aderiram à moda de virar mamífero reagem a esta situação? Tremo só de pensar na pressão a que devem estar sujeitas as novas amêndoas por parte das amêndoas mais conservadoras.
Enfim, só não fico mais doente porque bebo leite de vaca e este, felizmente, está pejado de antibióticos e medicamentos. Seja como for, os estúpidos putos da cidade estavam certos. O leite vem da fábrica. Foram, sem que o soubessem, profetas. Espero que um dia essas crianças, hoje talvez adultas (sei lá, há pessoas que se recusam a crescer), as quais, amarguradas e revoltadas, enveredaram pela via do crime ou do veganismo em virtude do trauma de terem sido tão violentamente gozadas. Desculpem, crianças, os adultos não sabem o que fazem.

 

(10 de Dezembro de 2019)

 

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Roberto Gamito

08.11.23

António Costa, ex-primeiro-ministro deste rectângulo desenhado a custo, ao ser derrubado por um comunicado com meia dúzia de linhas, se por um lado deixa a suspeita de simulação de falta, ao prestar homenagem sentida a Neymar, por outro, comprova a fragilidade que os médicos lhe apontavam há muito. O governo apresentava carências vitamínicas no seu discurso, a saber: carência de vitamina A, presente no olhar cada vez mais mortiço de Costa, e de vitamina D, visível no esqueleto que ia perdendo, aos poucos, a sua verticalidade face às crises que aparecem no país como cogumelos. E tudo isto é desculpável: reparem bem nos preços dos alimentos. 

Hoje temos de pensar duas vezes antes de atirar um tomate ao comediante: este tomate vai-me fazer falta na salada. De volta para o bolso, meu útil tomatinho.
Não faltam motivos para o arremesso do tomate. Assim que soou a demissão de Costa, os humoristas foram ao rubro, e, magicamente, apareceu mais um pão na mesa — directamente do inferno que nos espera. Os médicos, professores, jornalistas que se aguentem — melhorias, para já, só para os comediantes.

Ao sair deste reality show que alguns comentadores da queda chamam democracia, António Costa terá dito: “Esta é uma etapa da vida que se encerra e que eu encerro de cabeça erguida”. Daqui para a frente ganharei a vida a fazer presenças em discotecas. Um beijinho a todos os portugueses que votaram em mim. Infelizmente, não foi suficiente para me manter na casa.

Obviamente, a minha função de bobo não é compatível com qualquer suspeição que eu me contento com os factos. Seguem-se, por conseguinte, mais piadas.

Montenegro bebeu de um trago o chá de perpétua roxa e exclamou, num tom eleitoral, aquilo que eu costumo dizer quando uma mulher se despe à minha frente: Estou à altura da exigência deste momento. Vamos ver, diz a mulher…e o país. PCP rejeita as eleições, porém está pronto; Chega, que estará em festa até às próximas, juntamente com a Iniciativa Liberal e o Bloco de Esquerda tencionam plantar urnas em escolas, querem que o país vá a votos e, na mesma tarde, enterrar o ensino português, ao passo que o Livre pisca o olho à oportunidade, um tique que já lhe valeu uma cadeira. O PAN não se pronuncia, está a reflectir sobre a relação entre contagem de carneiros e economia adormecida. 

Num país tornado pátria dos epilépticos, onde já só sabemos estar em convulsão ou a espumar raivosamente, é maravilhoso que as próximas eleições se vejam elevadas a performance onde hienas e abutres populistas dançarão à volta da urna motivada por António Costa. Num país onde medram cleptomaníacos engravatados, é apressado afirmar que Costa deixou herança política. Não obstante a incerteza política, que é como a genérica, mas com mais gráficos, fomos atirados para o cenário de sempre, como se regressámos a mais uma temporada da nossa sitcom favorita, a qual dura desde o tempo da Operação Marquês…de Sade.

Distribuam-se pulseiras electrónicas por todos os portugueses. Presos a mais uma crise, já havia poucas, comenta o Zé Povinho sem força para levantar o braço.
Faça-se o devido elogio. A crise nunca nos abandonou, mesmo em momentos de crise, e é aí que se vêem os amigos.

O Mercado, qual TJI, já fez uma react à situação. Cá vai um trecho no qual o Mercado dialoga com o português típico.

Mercado: A notícia da demissão de António Costa obrigou-me a cair 3%.
Português: Como é cair 3%? Só sei cair 100%.
Mercado: É ficar um nadinha inclinado para a direita. 

Cientificamente falando, comparam-se quedas. A de Sócrates, que se arrasta na justiça por, alegadamente, se recusar a beber cicuta e a de António Costa. Todos os corpos caem à mesma aceleração; está bem, Galileu, mas não custa nada repetir a experiência atirando, desta vez, políticos do alto da Torre de Pisa. Feita a experiência, podemos chegar à inesperada conclusão que quanto mais à esquerda estiver o político, mais depressa cai.

Nada entra em vigor, nem futuro nem nada que faça sorrir o português médio, o qual tem um sentido de humor raro, porra, não se ri com crise nenhuma, seja ela política, económica ou da habitação, tudo isto nos entristece, tudo isto é fado, à excepção do IUC, que se mantém. Óptimas notícias: ainda não é desta que transformo o meu chaço num hostel para ratos. 

Nada pesa na consciência do nosso ex-primeiro, faz sentido, o hidrogénio e o lítio são dois dos três elementos mais leves da tabela periódica, dirá com voz fininha um químico versado em política nacional após inspirar Hélio.

Para já, mantém-se tudo igual, como das outras vezes. O fado mantém inalterado; só os fadistas se revezam.

 

Demissão de António Costa


Roberto Gamito

06.11.23

Não tenho credibilidade para falar de migração de cérebros, nem de gnus, nem tão-pouco de andorinhas, olhem para mim, durante esta pausa humanitária patrocinada pela barbárie, o último grito da hipocrisia antes de o Homem se finar, reparem bem em mim, pobre português de fato de treino puído pelo sedentarismo, sem vocação para o eufemismo, eu que dou um euro pela bica sem uma pinga de retaliação hábil em dar voz aos meus direitos. É pagar e calar e não falar nos direitos humanos. E ainda ter orgulho de ter sido roubado — não nos devemos agarrar a velhas ideias, actualizemo-nos, o roubo faz a economia andar.

O apetite do governo português por cérebro estrangeiro, iguaria de fazer crescer água na boca no canibal mais apolítico, faz as delícias do velho que treinou os maxilares noutra gastronomia, a da escassez. Qual é o engodo certo se o intuito é ludibriar o cérebro? Em tempos idos, adiantaríamos: pipi. Desgraçadamente, o pipi já não é pau para toda a obra —confidenciou-me um ex-bissexual, o que ofende e desprestigia os antigos cultores do pipi e a actual comunidade LGBTQI+.

Ambicionamos fixar miolo estrangeiro, pensa o ventríloquo do governo, uma vez que o do governo está em período sabático até tempo indeterminado, comunicou-me um médico. O miolo nacional, em havendo, uma vez que surgem ensaios por todo o lado que confirmam a sua extinção, reflecte em português e só isso constitui uma desvantagem irreparável. Não obstante as enxertias de termos lá de fora, os tais cuja função é adicionar um ar de contemporaneidade ao mesmo tempo que espatifam a gramática da frase, tornando-a balofa com muletas linguísticas importadas, crazy! Portugal, um país que não produz nada, nem muletas linguísticas. Só o fado pega de estaca nestas tristes terras estéreis. Se querem escavacar a fluidez do discurso, façam-no, mas com prata da casa. Não dou dez anos para o ‘basicamente’, ‘tipo’, ‘mas ya’ e a rainha actual das muletas, ‘imagina’, serem votadas ao esquecimento, abandonadas no sossegado estaleiro da quinquilharia vocabular. 

No futuro, seremos ingleses que adicionam um mero vocábulo português nas frases como quem preenche as quotas da inclusão.
Não nos percamos na amarga realidade. A apetecível cachola nómada, se quer continuar nómada, recusará sempre a fixação. Em suma, será sempre um animal inquieto, desassossegado, ou, se preferirem, o predilecto dos bichos carpinteiros. Numa economia de movimento, em que nada pode parar, caso contrário daríamos conta que o progresso não é senão a maior ilusão de todas, em que nada começa nem nada está, de facto, terminado, não favorece a criação de cérebro sedentário. 

Há cérebro a entrar e há cérebro a sair de Portugal. Como o cérebro mantém o obsoleto costume de se fazer acompanhar pelo resto do corpo, nada podemos comentar quanto ao acréscimo ou decréscimo de qualidade. 

Todavia não seria descabido criar um mercado de transferências durante o qual se comentaria as saídas e as entradas dos miolos com base no seu potencial. Este cérebro, vindo de Inglaterra, dar-nos-á a cura para o cancro; volvidos uns meses, está num banco de uma pastelaria da moda, a escrever um post motivacional para o seu blog; este, grande promessa do cringe mundial, proporcionar-nos-á toneladas de vídeos constrangedores; passadas três semanas já está a cumprir. Nem todos podem ser o Cristiano Ronaldo do pensamento. 

Não obstante os radicais pensadores, os quais afiançam “o cérebro é uma construção social”, basta reparar no sucesso dos YouTubers, é inegável que os números são impressionantes. Numa época em que o comentário ao corpo alheio é desaconselhado, e é assim que a língua murcha, reservamos o espanto e o comentário velhaco para números inesperadamente avantajados. Em 2022, dez mil e oitocentos nómadas digitais de carne e osso resolveram escolher o Porto como secretária em cima da qual vão dedilhar lucrativamente os seus portáteis — o que há-de enfurecer o português de classe médica, o qual, nem sentado nem de pé consegue enriquecer.

Outras seitas de pensamento menos radical garantem-nos:  “a dinastia do pensamento está prestes a acabar, logo o cérebro terá o fado do apêndice”. No máximo, será um bibelot que o homem transportará de um lado para o outro como homenagem a outros tempos. 

Se isto me tira o sono? Não, o motivo das olheiras é outro. Preocupo-me mais com a fixação de boa mama estrangeira e falta de incentivo a que a mama nacional se mantenha onde está, ou, respeitosamente, na minha vila. E mais: se os jovens, dotados de bons corpos esculpidos a ginásio e a proteínas da Prozis, com alegria para dar e vender no Onlyfans, ao irem em busca de melhores condições de vida no estrangeiro, deliciam autóctones de outros países enquanto o português fica refém de uma paisagem pobre em bom e inspirador decote — é isto que me tira o sono, cavalheiros. Espero que o governo português dê condições às mamas nacionais, e, em havendo folga orçamental, ao cérebro português — que nem são dos piores do mercado. 

 

Migração de cérebros nómadas


Roberto Gamito

16.02.21

Túnel de vento podcast, Roberto Gamito

Apeadeiros da conversa:
.Análise ao 'passar-se da boneca'.
.Lapo, o paraíso dos bananas.
.O universo paralelo dos bananas.
.Acordar ao mínimo ruído.
.Fumigar o meu jardim.
.O pássaro e as cabeçadas no vidro.
.Dinâmica da passarada com o espantalho.
.Pássaro campónio e Pássaro citadino.
.Entregas em tempos da pandemia.
 
 
Podem escutá-lo no Soundcloud  ou nos sítios do costume. 


Roberto Gamito

08.01.19

Marcelo Rebelo de Sousa, bloco de plasticina assiduamente moldado por mãos nervosas e políticas, Presidente da República de Portugal, segundo a wikipédia, confesso, tive de ir ver, não me interesso por aí além por esses assuntos, eu é mais gastronomia alentejana, observação de passarada e estudo rigoroso de mamas saltitantes em sites credenciados. Levo muito a sério a minha formação, evito, de facto, assistir às aulas dadas em sites se estes não me garantirem oportunidades de deleite. Em que medida é que isto tem a ver com o senhor Marcelo? No mínimo, tem tudo a ver. Se tudo é política, então o visionamento de mamas saltitantes confere-me um grau equiparável a um catedrático de um cadeira de política internacional. Então, sem mais delongas, vamos a isso, antes que o tema arrefeça.

 

O empregado do mês da empresa de distribuição de beijocas ligou para o programa da senhora Cristina Ferreira, a qual confessou há dias ou semanas, segundo o confiável Correio da Manhã, que era uma mulher árdua de aturar. Comovi-me e meditei: Aturar-te-ia de bom grado, voluptuosa Cristina Ferreira, até porque suspeito que estou a caminhar para moco e isso, parecendo que não, só nos compatibiliza. Devido a burocracias, tais como o facto de não ter o contacto dela, e haver uma hipótese remota de, mesmo que houvesse um número de telefone, ela não querer nada comigo, abortei o meu magnífico plano de uma relação que seria, no mínimo, perfeita. Sou bastante inseguro, ela é que perde.

 

O que não sucede com o galã Marcelo, calejado na arte do beijinho, treinado na arte do afecto, uma anaconda especializada no abraço asfixiante, sempre solícito a distribuir calor ou aparecer, qual penetra, numa selfie, providenciando a qualquer anónimo um bom engajamento nas redes sociais. Segundo se conta, Marcelo terá querido estabelecer alguma paridade entre SIC e TVI, marcando, desse modo, embora de formas distintas, presença nos dois canais. Em linguagem de pessoa crescida, não quis que nenhuma criança ficasse sem o chupa. Preveniu o choro de uma estação televisiva que, como é sabido, é pior que uma manada de putos atrás de um chupa gigante. Essa é uma interpretação. A outra, uma mais cínica, mais adequada ao nosso século, é que o Doutor Marcelo adora ficar bem na fotografia. Seja ela literal ou simbólica. O senhor Rebelo não faz cá distinções. Desconfio que, dentro de pouco tempo, alguém lhe entregará o prémio de modelo fotográfico mais calejado, apesar de a concorrência feroz não lhe dar tréguas, nomeadamente as mulheres divorciadas, as quais tiram umas poucas centenas de fotos atrás da mesma árvore, e de pitas que confundem o twitter com uma sessão fotográfica para um catálogo infinito. Seja como for, não estando o senhor Sousa na flor da idade, tem fôlego de sobra de forma a deixar para trás a concorrência. Merece todo o meu respeito. Quando é para dizer bem, é para dizer bem. Não ganho nada em ficar com os elogios guardados no miolo.

 

Embora a situação não me provoque comichão, em virtude do uso de uma pomada preventiva chamada tenho-mais-merdas-em-que-pensar, o senhor Presidente aterrou num ninho de cobras. A justificação usada, a da paridade, pô-lo num sítio deveras pantanoso. Agora terá de mandar uma carta ao Malato, partilhar um post da página de facebook da RTP2, dar um linguado ao Pedro Boucherie, da SIC Radical, levar a cabo qualquer coisa sem visibilidade no Canal Q, convidar para um encontro literário uma actriz de um canal erótico, ser o duplo de Deus por um dia, ser o Stan Lee nos próximos filmes da Marvel, aparecer numa prank do youtuber João Sousa, abrir o espectáculo do Nilton com piadas escatológicas, limpar as lágrimas ao Filipe Vieira com uma toalha de piquenique, emprestar-me 1 milhão de euros (dispenso os afectos), elogiar a ginga da Bumba na Fofinha, ser o servente numa obra que se arrasta há anos ao pé de minha casa, aconselhar os velhotes, nas compras lá para casa, apalpando politicamente a fruta, e assim por diante, até confundirmos a sua agenda política com um meme.

 

E, em havendo tempo, talvez fazer as folgas do José Figueiras.

 

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Túnel de Vento (podcast): https://soundcloud.com/tuneldevento

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