Roberto Gamito
28.11.20
Uma velhota movendo-se pedindo licença ao esqueleto para dar o passo seguinte arrastada pela neta ansiosa por cumprir o seu ritual. O bolinho e o galão. A garota tem orelhas postiças. Numa das mesas da esplanada, uma família de garrafas vazias. Cervejas, águas, umas e outras dispostas ao acaso. Assim tombaram na mesa assim ficaram. O rasto de uma conversa.
A presença de chávenas nas mesas prova a existência de vida humana por estas bandas. Uma empregada onde deveria haver três. Trabalha por três, recebe por uma. As mesas encontram-se agora despovoadas, prontas a receber novas levas de nómadas. Os pequenos rituais. Primeiro foi a religião, de seguida a cultura. Os rituais provenientes quer de uma, quer de outra foram desacreditados, sobram-nos hoje os rituais comezinhos. Beber café. Comer uma torrada e um galão. Dar bom-dia a horas certas. Tentamos introduzir um certo padrão no meio do caos. Consola-nos a ideia de que o mundo se deixa domesticar graças a estes risíveis rituais. O mundo deixar-se-á amestrar se bebermos café sempre às mesmas horas, conversam dois homens aspirantes a feiticeiros. A neta exibe um entusiasmo que, aos olhos e ouvidos do adulto, nos parece estranho. Independentemente do tema, seja uma bola da árvore de natal, um chupa, um bigode originado pelo galão, uma blusa oferecida pela avó a alegria não esmorece. Será que as crianças dão palestras motivacionais? Podiam ficar ricas.