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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

10.12.23

Tempos houve em que a criança da cidade, ao pronunciar-se acerca da proveniência do leite, respondia com a incompreendida deixa “vem da fábrica” e era prontamente alvo de um sem-fim de larachas e azedumes. Independentemente da corpulência ou da idade do catraio, a criatura em flor transformava-se num alvo indefeso dum circo apalhaçado, no qual o deboche vertiginoso dava mostras de incansabilidade.

O adulto, especializado em problemas desta estirpe, vinha em socorro da realidade e declarava: “o leite vem das tetas da vaca”. E mais: o adulto não se coibia de adornar a sua resposta com um acrescento já célebre: “actualmente, não sei o que é que as crianças aprendem na escola”. Não vou mentir, também eu, animal amigo da paz excepto nos dias de folga, engrossei o refrão da turba sem titubear. O adulto é um bicho que raramente perde a oportunidade de se mostrar superior aos demais. Mostrar-se conhecedor da origem do leite é uma oportunidade tão boa como outras, aliás, capaz de ombrear sem medos com outras questiúnculas, a saber, quem foi Newton e qual o seu legado, enfim, a altura ideal para exibir o crachá precário de homem inteligente. No entanto, o adulto pouco mais sabe sobre a jornada do leite que a sua origem. Sabe que o leite pinga da teta do bovino, sabe que sucedem vários processos de permeio, coisa que é incapaz de especificar sem se atrapalhar e sem fazer uma impecável figura de parvo, e sabe que essas gotas, mais tarde, hão-de parar no copo.
Aqui chegados, é preciso ter em conta que, se a criança não é grande espingarda em termos de raciocínio, o adulto, o qual, acreditando nos livros, também já foi criança, não é melhor, uma vez que já se esqueceu de tudo o que aprendeu em garoto. A criança pode não saber nada, no entanto, do outro lado da barricada, temos o adulto, alguém que salta de bitaite em bitaite, passando ao lado de qualquer coisa que se assemelhe à verdade.

Perante o perigo de perpetuar esta injustiça, tomei corajosamente a decisão de tirar as mãos da cabeça, que lá estavam com o fito de enfatizar o espanto, pô-las no bolso, para sublinhar que não há pressa, e encaminhá-las rumo à folha a fim de rabiscar o meu parecer de perito em assuntos aos quais ninguém parece passar cartão.

Dirijamo-nos ao fulcro da coisa: as crianças da cidade têm razão. O leite vem, actualmente, de fábricas. Quero pedir desculpa em nome de todos os adultos, comediantes, palhaços amadores e pessoas que se deixaram levar, qual cadáver sem personalidade, pela maré do escárnio. Se forem habitantes deste século, que nem é dos melhores em matéria de vistas, não vos terá passado despercebido o aparecimento de inéditas espécies de leite, nomeadamente leite de aveia e amêndoa.

Tal prova, ao contrário daquilo que inúmeros biólogos costumam dizer, gente que anda na ciência sem amor e com os olhos desfocados a pensar que o mundo é uma exposição de quadros abstratos, que os mamíferos ganharam. Dêem a coroa de todos os reinos, animal, vegetal, monera e restantes aos mamíferos. Já não constitui novidade para ninguém, os mamíferos ganharam uma reputação tal que até as amêndoas se alistaram no partido das mamas.
Como apreciador de mamas desde tenra idade, conhecedor da sua polivalência terapêutica, acolho com agrado o facto de as amêndoas terem feito implantes mamários; as mamas nunca são de mais. E, sem mais, o elogio pela delicadeza e a paciência de quem tem como ofício ordenhá-las.

Não obstante a satisfação que é verificar o avanço das mamas até sítios inesperados, urge lermos a situação à luz dos nossos dias. Será uma jogada de marketing ou o jugo do patriarcado a abater-se sobre as inocentes amêndoas que, a fim de continuarem relevantes nas redes sociais, precisam de arranjar mamas para exibir no Instagram e quejandos? Se for isso é triste, embora me faça rir. É o mundo que queremos deixar como herança aos nossos filhos? Um mundo que obriga a aveia, amêndoas e outras da mesma laia a tornarem-se mamíferos?
Como é que os vegetais e frutos que não aderiram à moda de virar mamífero reagem a esta situação? Tremo só de pensar na pressão a que devem estar sujeitas as novas amêndoas por parte das amêndoas mais conservadoras.
Enfim, só não fico mais doente porque bebo leite de vaca e este, felizmente, está pejado de antibióticos e medicamentos. Seja como for, os estúpidos putos da cidade estavam certos. O leite vem da fábrica. Foram, sem que o soubessem, profetas. Espero que um dia essas crianças, hoje talvez adultas (sei lá, há pessoas que se recusam a crescer), as quais, amarguradas e revoltadas, enveredaram pela via do crime ou do veganismo em virtude do trauma de terem sido tão violentamente gozadas. Desculpem, crianças, os adultos não sabem o que fazem.

 

(10 de Dezembro de 2019)

 

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Roberto Gamito

17.11.23

Não entendo o festival de parangonas à volta dos escândalos políticos: corromper e ser corrompido são actividades que merecem remuneração — é trabalho. 

Ao trocar o modesto Peugeot 106 — não confundir com o opulento Peugeot 106, o qual passa pelas lombas com o vagar de uma princesa — pelos altos voos da corrupção, tudo isso patrocinado pela TAP, e só nos orgulha, dá-nos a conhecer a propensão para o deslize da malta que decidiu enterrar o dinheiro no tuning. Em faltando os recursos vindos de mãos sujas no entanto generosas, contentam-se em fabricar um avião caseiro segundo os altos padrões estéticos da Joana Vasconcelos após uma noite mal dormida. 

Eu, que me sinto mais ignorado que um parecer de um biólogo em altura de escavacar zonas protegidas, sabia, à semelhança do MEC, que o tomate ia acabar. Entrementes, raciona-se ketchup mais à esquerda numa batalha de guiões de fraca qualidade. Ao esburacar a estrada para o futuro, o nosso ex-primeiro ministro revelou o seu lado budista, obrigando os portugueses a concentrarem-se no presente.

Portugal, que nunca foi grande, mergulhou, graças à incerteza política, no mundo quântico. Cada pigarrear é uma bola de pêlo figurada — uma homenagem ao Gato de Schrödinger. Em termos mais provincianos, o político podia socorrer-se de uma verdade absoluta. As coisas pioram com o tempo. A culpa é dele, do Tempo, que é um espatifador omnipresente. 

António Costa fala em abstracto, eu respondo triângulo, círculo, Rothko, Playstation. O que leva ao delírio virgens, gamers e espelhos. 

Pessoas saltam da piada para a ética e de seguida para o plano legal. Aplaudo: eis um belo exemplo de parkour intelectual. 

Empatia, vocábulo que é pau para toda a obra, esteja ela parada ou a correr pelos corredores da burocracia, tornou-se ubíqua. Segundo o entendimento de pessoas precipitadamente entendidas no assunto, pedir desculpa humaniza o homem e o político. Pela lógica, Nuno Markl seria o mais humano de nós todos. Raciocínio ousado. Invejo os politólogos: a sua ingenuidade sobreviveu aos estudos e à vida adulta. Se no caso do Wally o desafio é encontrá-lo, na empatia o desafio é precisamente o contrário. Ofereço um jantar se não a encontrarem no discurso político. 

Noutras coordenadas, que é como quem diz, nos arredores do nosso fado, o grupelho chegano foi brindado com pontapés, empurrões, água, sumos. Em Portugal, chama-se a isto protesto aceso, em África ajuda humanitária. Se houvesse serpentinas, estaríamos no Carnaval de Loulé. 

 

operação influencer


Roberto Gamito

08.11.23

António Costa, ex-primeiro-ministro deste rectângulo desenhado a custo, ao ser derrubado por um comunicado com meia dúzia de linhas, se por um lado deixa a suspeita de simulação de falta, ao prestar homenagem sentida a Neymar, por outro, comprova a fragilidade que os médicos lhe apontavam há muito. O governo apresentava carências vitamínicas no seu discurso, a saber: carência de vitamina A, presente no olhar cada vez mais mortiço de Costa, e de vitamina D, visível no esqueleto que ia perdendo, aos poucos, a sua verticalidade face às crises que aparecem no país como cogumelos. E tudo isto é desculpável: reparem bem nos preços dos alimentos. 

Hoje temos de pensar duas vezes antes de atirar um tomate ao comediante: este tomate vai-me fazer falta na salada. De volta para o bolso, meu útil tomatinho.
Não faltam motivos para o arremesso do tomate. Assim que soou a demissão de Costa, os humoristas foram ao rubro, e, magicamente, apareceu mais um pão na mesa — directamente do inferno que nos espera. Os médicos, professores, jornalistas que se aguentem — melhorias, para já, só para os comediantes.

Ao sair deste reality show que alguns comentadores da queda chamam democracia, António Costa terá dito: “Esta é uma etapa da vida que se encerra e que eu encerro de cabeça erguida”. Daqui para a frente ganharei a vida a fazer presenças em discotecas. Um beijinho a todos os portugueses que votaram em mim. Infelizmente, não foi suficiente para me manter na casa.

Obviamente, a minha função de bobo não é compatível com qualquer suspeição que eu me contento com os factos. Seguem-se, por conseguinte, mais piadas.

Montenegro bebeu de um trago o chá de perpétua roxa e exclamou, num tom eleitoral, aquilo que eu costumo dizer quando uma mulher se despe à minha frente: Estou à altura da exigência deste momento. Vamos ver, diz a mulher…e o país. PCP rejeita as eleições, porém está pronto; Chega, que estará em festa até às próximas, juntamente com a Iniciativa Liberal e o Bloco de Esquerda tencionam plantar urnas em escolas, querem que o país vá a votos e, na mesma tarde, enterrar o ensino português, ao passo que o Livre pisca o olho à oportunidade, um tique que já lhe valeu uma cadeira. O PAN não se pronuncia, está a reflectir sobre a relação entre contagem de carneiros e economia adormecida. 

Num país tornado pátria dos epilépticos, onde já só sabemos estar em convulsão ou a espumar raivosamente, é maravilhoso que as próximas eleições se vejam elevadas a performance onde hienas e abutres populistas dançarão à volta da urna motivada por António Costa. Num país onde medram cleptomaníacos engravatados, é apressado afirmar que Costa deixou herança política. Não obstante a incerteza política, que é como a genérica, mas com mais gráficos, fomos atirados para o cenário de sempre, como se regressámos a mais uma temporada da nossa sitcom favorita, a qual dura desde o tempo da Operação Marquês…de Sade.

Distribuam-se pulseiras electrónicas por todos os portugueses. Presos a mais uma crise, já havia poucas, comenta o Zé Povinho sem força para levantar o braço.
Faça-se o devido elogio. A crise nunca nos abandonou, mesmo em momentos de crise, e é aí que se vêem os amigos.

O Mercado, qual TJI, já fez uma react à situação. Cá vai um trecho no qual o Mercado dialoga com o português típico.

Mercado: A notícia da demissão de António Costa obrigou-me a cair 3%.
Português: Como é cair 3%? Só sei cair 100%.
Mercado: É ficar um nadinha inclinado para a direita. 

Cientificamente falando, comparam-se quedas. A de Sócrates, que se arrasta na justiça por, alegadamente, se recusar a beber cicuta e a de António Costa. Todos os corpos caem à mesma aceleração; está bem, Galileu, mas não custa nada repetir a experiência atirando, desta vez, políticos do alto da Torre de Pisa. Feita a experiência, podemos chegar à inesperada conclusão que quanto mais à esquerda estiver o político, mais depressa cai.

Nada entra em vigor, nem futuro nem nada que faça sorrir o português médio, o qual tem um sentido de humor raro, porra, não se ri com crise nenhuma, seja ela política, económica ou da habitação, tudo isto nos entristece, tudo isto é fado, à excepção do IUC, que se mantém. Óptimas notícias: ainda não é desta que transformo o meu chaço num hostel para ratos. 

Nada pesa na consciência do nosso ex-primeiro, faz sentido, o hidrogénio e o lítio são dois dos três elementos mais leves da tabela periódica, dirá com voz fininha um químico versado em política nacional após inspirar Hélio.

Para já, mantém-se tudo igual, como das outras vezes. O fado mantém inalterado; só os fadistas se revezam.

 

Demissão de António Costa


Roberto Gamito

29.10.23

Episódio 666 - Maestro de Demónios

Apeadeiros da conversa:

.Afrodite, Hefesto e Ares - o primeiro riso.
.Afrodite e o Diabo.
.A melhor piada de sempre segundo Freud.
.Os velhos são o futuro.
.A construção civil não é atraente para o gay.
.A construção em altura foi uma desculpa que o homem arranjou para ver decotes.
.Em nome do Pai.
.As mulheres bonitas são demónios.
.Mundo dos números e a performance da identidade.
.Dentes e mentira.
.Polifemo, a primeira vítima do literalismo.
.Impressora no psicólogo.
.Megazord de entulho.
.Respirar oxigénio é uma espécie de pacto demoníaco.
.Bêbedos em touros mecânicos.
.Os brasileiros queixam-se que os portugueses comem letras - o meu contra-exemplo.
.Forçamos a conversa no trabalho.
.As consequências da expressão “com o sol não se brinca”.
.Quando era puto fui vítima de trocadilhos.
.Expressões de pré-cacetada.
.Sismo e cama de sem-abrigo.
.Emagrecer torna-nos piores pessoas.
.Para o meu avô só havia dois grupos de pessoas.
.Toda a gente precisa de terapia?
.O gordo é o assassino perfeito da mulher linda.
.Assalto utilizando lata de atum.
.Só me agacho para cima de 50 cêntimos.
.A crise é uma fábrica de sem-abrigo.
.Apreciador de rectângulos.
.Pívia, a comunicação suprema com o divino.
.Surra de bumbum.
.Dono do cão/gato morre.
.Pirotecnia de c*lhões postiços.
.Palavra ‘think’ à altura da mama.
.Assobio é um antídoto para a tristeza.
.A baloiço é um relógio.
.Não há poetas na Austrália.
.Baratas e Loureiro.

 


Ouvir aqui:

 

 

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Roberto Gamito

09.03.23


Esta crónica humilde é dedicada ao Roberto Gamito, sem o qual seria praticamente impossível garatujar uma prosa de qualidade tão duvidosa.

Em tempos recuados, mas não tão recuados assim, uma vez que ainda faltam queimar alguns cartuchos e andam por aí pilas matreiramente cansadas à procura de jazigo, orgulhava-me de ser detentor dos mais baixos índices de eficácia no tocante à captura de grelo. Justificava-me que trocara a cona letrada por livros poeirentos, que fizera a escolha acertada porque o que conta é o conhecimento amealhado, pese embora o pau analfabeto. Acabadinho de sair da hibernação, de mamar aqui e ali no respeitante a referências, de engordar a cabeça com sofrimento alheio, o cérebro começava a engendrar os seus próprios rastilhos. O resto não conto porque a biografia é minha e aborrece-me inventar. 

Era um tipo assim para o provinciano que, segundo as boas e más línguas, dava mais ares de pastor do que escritor — que culpa tenho eu de ter nascido num século onde ninguém valoriza a patilha — e, para destoar, uma careca em construção.
Cara pouco vendável, um pançudo em formação, menino de uma estupidez sem fim à vista e uns tomates de fazer sombra ao diabo. Dava-me e continua-me a dar um certo gozo alfinetar os bichos (nunca me deu para ser outra coisa senão aquilo que sempre fui), desde borboletas a dragões, bolotas e maçãs míticas, plagiadores a virtuosos, maratonistas e coxos. Antes a escrita encostava-nos à parede, hoje, ao espelho. E eu cagando, nem cabelo tenho.
As voltas que a arte dá, parece um carrossel de trancadas dionisíacas, alguém que aproveite a diversão.
O embotamento do gume do humor, fosse a minha condição financeira digna de inveja e saía já da folha, é merecedora de uma procissão de carpideiras — e vá de choro, vá de choro e vá de choro.

Sejamos ou não amigos, não esperem por mim, não vou ajudar à procissão.
Não sou animal
Que consinta a captura sem dar luta e levar alguns comigo. Se for urgente, procurem-me na secção dos frescos, estarei à vossa espera: com a picha de fora. Consinto que toquem nela para ver se está madura. Não perguntem à senhora da secção se dá para levar metade, ou levam-na toda ou nada feito. Não me tentem com negociatas, nisto — e apenas nisto — sou intransigente.

O homem contemporâneo está imune a tudo o que mexe verdadeiramente, reparem bem na proeza do cabrão: de pé e em coma e já nada o faz abrir a pestana. Num fósforo o novo passa a obsoleto, o genial a mentecapto, deus a mentira — está aqui uma coisa esperta. Careço de feitio para esperar por um milagre, há que trabalhar com o que temos, este magnífico bando de papagaios acéfalos.

Tudo isto ocorreu num estalar de dedos, a magia atrasou-se e o pensamento ficou-lhe com o lugar. Pensamento? Calminha aí nas classificações. Cuidado com essas frases, bramam os autores flácidos. Eles que se fodam mais os outros que dormem de luz acesa com medo do bicho papão do cancelamento.

Nem eu vos entendo, nem vocês a mim: parece que estamos casados há trinta anos. É caso para dizer: o que diria Fernando Pessoa?
Mais uma rodada, uma vez que o imaginei num tasco. Mais um livro. Peço desculpa, só consigo imaginar artistas em tascos a pedir rodadas. Em suma, é a vida e os pormenores do mundo e o seu aeiou. E esses ratos anfíbios, que ora estão aqui, ora estão na cona da mãe, ora estão a masturbar-se com o futuro, ora a escavacar o passado com marretas próprias para pessoas com necessidades especiais, armados em leitores, que nem para limpar o cu pegam num livro; esse nevoeiro de parvoíce com que inundam as caixas de comentários, essa nuvem de dedos em riste com que metralham o singular, essa mistela perfeita de taralhoucos e críticos míopes que sonham opinar sobre a escrita de costas voltadas para as estantes. Não vos consigo levar a sério enquanto confundirem uma palavra nova com D.Sebastião. Estão cansados de esperar? Também eu. Enquanto isso, vão para o caralho.

 

Vacas magras


Roberto Gamito

13.11.22

Filho de dois homens imaginários, condição que o livrava dos vieses dos artistas contemporâneos, perdia as tardes a esgaravatar no mármore à procura do rosto do homem. Adulterando a frase de Borges, bradava a quem quisesse ouvir: o ser humano vive da ficção que todos os dias acontece algo diferente.

Numa ocasião forense atípica durante a qual vacilava no cadáver de um anjo caído, um desumano exercício de restauração, gania afinado: hei-de ressuscitar o mal nem que seja a última coisa que faça.
 
De um lado Fernando Pessoa e a sua tanga: "eu sou uma antologia", do outro, o anónimo: "em calhando, serei uma nota de rodapé".
 
Um dia chegaremos à conclusão que a arte não é senão um complexo, tortuoso e labiríntico manual de tortura com vista a esfrangalhar o projecto das inúmeras levas de Narcisos.
 
Também não é preciso abrir as asas, a ficção de gigantismo não afasta a fome fulminante do predador alado. O tom deste século é o de uma velha solteirona que deixou a vida escapar-se-lhe entre os dedos.
 
Ser anónimo, actualmente, é experimentar a coreografia do neutrino: não interagir com nada nem com ninguém. Eis a pureza que ninguém esperava.
 
Agrilhoado a uma cona esfomeada, qual Prometeu que ignorava tudo sobre o fogo. Ao longe, as águias de Zeus parecem corvos e abutres. Mas alegrem-se, tenho uma boa notícia para vos dar: vi um homem vergado sob o peso do seu conhecimento. Que aldrabão!
 
Salvem as cartolinas e o mundo que se foda. Assim se esgotam as alternativas. Coragem! Confiem nos vossos instintos, sejam vocês mesmos, amanhã o trend poderá ser outro.
 
Afectivamente falando, considero-me canibal. Estão cá dentro.
 
O importante não é achar o amor, é não parar de o procurar em todas as casas.
 
A vida adulta é o suicídio colectivo das perguntas. É abanar a cabeça para evitar problemas. É cada vez mais difícil fazer destrinça entre um resignado e um doente de Parkinson.
 
O aplauso serve tão-somente para ocultar o barulho do disparo. Lindo, o artista despediu-se com um sorriso nos lábios.
 
Curei-me da depressão, já não vou ao fundo. Sou o homem de cortiça. O poder terapêutico da parvoíce.
 
O humorista é pródigo em três coisas: disparates, choradinhos e regras dos três.
 
A minha mediocridade nunca cessa de me espantar: adapta-se a tudo o que faço. Isso há-de ter algum valor.
 
Nova profissão: porteiro de redes sociais. Alguém cuja incumbência é controlar as saídas e as entradas deste teatro de doidos.
 
Se Kafka tivesse nascido em Portugal, teria sido apenas um tipo com orelhas grandes. E isso só revela a escassez actual de capachos monumentais.
 
O artista sobe a palco e berra: não tenho nada interessante para vos contar. Bem, vamos à minha vida. Para o que havíamos de estar guardados.
Na sociedade do espectáculo vertiginoso, não confundir com a do Guy Debord, a arte não é uma arma, é uma faca de plástico de cor garrida.
 
Agradeço ao twitter por ter acabado com o mito do artista inspirado. Parece que ouço o meu avô, não tens nada nos cornos.
 
Mais uma errata. Porra, Fernando Pessoa, não acertas uma.
Só a arte é inútil.
 
Tenho três cães e mil fantasmas, sonhos esmagados e coração desfeito e pouca paciência para rodriguinhos. Há três coisas infinitas: o universo, a estupidez humana e as versões desta frase de Einstein.
 
Isto é tudo muito bonito, empatia, privilégio e os demais vocábulos de papagaio mas o que é certo é que basta uma noite mal dormida para o diplomata pôr a sua carreira em risco. E quem diz carreira diz pescoço.
 
Está bem, Confúcio, é melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão, mas porra, um gajo desfeito tem de se entreter com alguma coisa.
 
Oxímoro: modesta opinião. Se é opinião não pode ser modesta. Estamos conversados.
 
Não vou na cantiga dos artistas genuínos, só acredito quando vejo um homem esmagado pela vida. O resto é performance. Não me bombardeiem as vistas com teatros medíocres.
 
Se o humor desaparecer, a gigante começará a temer o anão.
 
Adie tudo, a menos que seja uma discussão. Evite ofuscar os medíocres, preferencialmente se não estiver disposto a levar no focinho.
 
Será que é mesmo necessário? Eis a minha resposta universal às ordens que me lançam.
 
Isto está uma merda, dir-me-ão. Já estava assim quando eu cheguei, eis uma das poucas frases que nunca poderá ser dita por Deus.
 

Império das Aspas


Roberto Gamito

20.08.22

Desconfio do Homem, o qual possui mais anos de manha que de escrita. Essa criatura ocasionalmente vertical faz de tudo para vender a sua história, para manter viva a sua reputação ascensional. Há dias veio-me uma ideia à memória. Nada do que vou dizer a seguir tem fundamento, é apenas uma sensação, como se costuma dizer por estes dias.
 
Há uma tensão antiga entre o Homem e a comédia. Aristófanes referiu-se ao problema umas poucas de vezes nas suas peças. Havia comediógrafos a desaparecer misteriosamente ao parodiar poderosos e por aí diante. O bobo está sempre com um olho no rei e outro na guilhotina. A vida do bobo está sempre presa por arames. O que muda de época para época é a forma de assassinar o bobo.
 
Há obras literárias perdidas (em princípio para sempre), contudo há, aos meus olhos, uma propensão para o Homem se esquecer das obras de pendor cómico. Ou uma propensão para as fazer desaparecer, se formos mais cínicos. Um exemplo célebre é a comédia de Homero, Margites, a qual narraria as peripécias de um estúpido olímpico. O que me levanta suspeitas ao mesmo tempo que me proporciona um esboço do Homem. A Ilíada enaltece o Homem enquanto criatura de sangue, enquanto a Odisseia narra a viagem simultaneamente interior e exterior de um homem, Ulisses. Assalta-me a ideia de que o Homem prefere ser falado como máquina de guerra ou desnorteado a ser apelidado de estúpido. Com efeito, ninguém é lembrado por ser estúpido.
Este é apenas um exemplo entre muitos, a obra Satyricon, de Petrónio, o qual terá sido próximo do imperador Nero, chegou ao nosso tempo bastante mutilada. Segundo certas fontes, o original seria um livro enorme, provavelmente maior que o Quixote.
 
Outro exemplo: a parte relativa à comédia da poética de Aristóteles foi perdida. Homero, provavelmente o maior poeta de todos os tempos, Petrônio, a par de Apuleio, o pai do romance picaresco, e Aristóteles, um dos maiores vultos da filosofia ocidental.
 
Será que foi intencional? A comédia foi mutilada porque o Homem não queria ser recordado como animal risível?
 
Escrita em 20-8-2020

Relação do Homem com a comédia


Roberto Gamito

15.08.22

Por estes dias em que as praias algarvias perdem a sua antiga fama de cenário idílico ao receberem sem restrições temperaturas pouco amigáveis, dignas de um trailer cujo intuito fosse apresentar a diversidade climatérica do mundo a um demónio estrangeiro, ou seja, vai do calor desértico ao frio glacial num estalar de dedos, o qual nem necessita de ser divino, uma vez que o homem já pôs o seu dedo burguês e gorduroso no tempo e escavacou a bom escavacar as estações, agarrando com mérito todos os papéis da biodiversidade animal, o Algarve recebe ventos e os seus caprichos, coisas que, parecendo que não, só fomentam uma ida descansada à praia sem rabugices, dias em que tentamos comer uma bola de berlim em passo de fugida, duplamente assados da cabeça aos pés pela areia e pelo sol que nos atravancam o caminho para a felicidade, enquanto tentamos evitar que um guarda-sol, que anda no ar estúpido e alegre como um papagaio-de-papel, nos bandarilhe severamente o lombo magistral que tanto nos custou a criar. E já esquecendo as algas, que este ano embirraram com o areal algarvio. Estas, as algas, assemelham-se a lisboetas naufragados da nau do quotidiano acabados de dar à costa, parece é que tudo delas. Das algas. Respirando fundo, ganhando fôlego para mais uma ficção, que é como quem diz, vendo pelo lado positivo, o facto de o areal ser por estes dias gagamente verde pode permitir aos futebolistas de praia, praticantes desse, como direi, desporto camponês, partindo do principio que o futebol é o rei, se entreguem de unhas e dentes à prática do paleio com a bola e descubram, entre peixe que por lá estrebucha e algas, uma nova forma de desfrutar do sushi.

Porém, não foi isto que nos trouxe cá, apesar de a canoa do escárnio ter servido belamente a sua missão. É tempo de a deixar vogar no lago plácido do marasmo. O que me indigna até à penugem dos neurónios, e faz com que gere sinapses dignas de um ditador, é o facto de as rendas neste país denominado por muitos entendidos como Portugal estarem cada vez mais proibitivas. Praticam-se preços de tal maneira altos que, se uma pessoa não catapultar a carreira até aos 35 anos, e, tendo recorrido a todo o tipo de estratagemas, seja pela via do mérito, seja pela via do boca ou do ânus, se estiver impedido de ganhar um milhão de euros mensais, a melhor coisa a fazer é ponderar o suicídio. Um suicídio modesto, nada de teatros caros e espalhafatosos, que a vida não está para grandes loucuras. Chegará a um ponto em que os portugueses terão de pegar no que conseguiram poupar durante uma vida e comprar umas braçadeiras em segunda-mão e emigrar para o Oceano Atlântico, onde poderão prosperar como amigos dos golfinhos, excepto as mulheres pequenas, que, como se sabe, são descritas como sardinhas por alguns provérbios e os golfinhos, como é alertado pelos biólogos contemporâneos, levam-nos muito a sério, aos provérbios, sendo que, o mais provável, é que a mulher sardinha seja comida por esses simpáticos cetáceos (simpáticos, o tanas, têm é boa imprensa; até os tubarões têm medo deles) sem poder apresentar queixa, já que o oceano, como Portugal, é uma terra — sim, introduzi deliberadamente uma chalaça — sem lei nem roque.
Adoptando uma postura mais séria, até porque a de carpideira não me traz saúde às cruzes, faltará pouco para o sem-abrigo principiar a lucrar e poder arrendar, tudo dentro da lei, como é evidente, o seu cartão polivalente, o qual é uma espécie de caravana onde as rodas foram substituídas por umas muito robustas duas perninhas.

Cá para mim que não percebo nada do mundo, e como tal reúno todas as características de um bom comentador, a inflação de preços no mercado imobiliário em Portugal deve-se a uma competição onde todos os sítios em Portugal querem alcançar os valores praticados na Quinta do Lago, onde, segundo o Público, comprar casa de dez milhões já é coisa banal. Dito de forma mais poética, a Quinta do Lago é a musa que inspira os preços das casas, contentores e restantes palhotas a subirem de preço, a serem, em suma, mais do que são. Dito ainda de outro modo, a Quinta do Lago é, mesmo sem saber, uma espécie de guru motivacional para o mercado imobiliário em Portugal. Aqui é que bate o ponto: alguém que pratica uma banalidade ao comprar uma casa de dez milhões não é bem português. Um português típico, no qual eu me incluo com a minha carteira enfezada, é aquele que pondera durante quinze dias se compra um corneto. Uma decisão mal tomada e empecilhamos uma vida inteira.

Todos sabemos que a lei, ou uma das suas mil e uma interpretações, cada cabeça sua sentença, já diz o povo, é mais dócil com o pessoal cheio de graveto. A lei gosta de dar a patinha ao bilionário. Sociologicamente falando, tenho para mim que o bilionário é o consumista depurado, aperfeiçoado ao limite. Cheio de tiques, embirrações, postura infantil face a tudo o que mexe, com uma diferença: entre aquilo que o bilionário quer e a sua consumação tende a não haver burocracia. O bilionário quer um edifício demolido: mobiliza-se logo um arsenal de mordomos para o fazer, o mais prontamente possível. E tal não impressiona ninguém. Se o dinheiro é o novo deus, como já foi dito e redito por autores nos últimos séculos, então o bilionário é o novo faraó, aquele que mantém uma relação privilegiada com Ele. Quanto aos restantes, empacotados na pose consumista, tipos que choram ao ver o preço dos pinhões, resta-lhes berrar e trabalhar que nem cães a fim de obter um bocadinho de céu, visto que a terra nos foi negada.

Portugal, aos poucos, está a tornar-se aquela loja de luxo onde podemos entrar mas não podemos tocar nem comprar nada, por muito que nos esfalfemos e nos levemos ao limite. Este país já não é para nós. Se ainda cá estamos, e não nos escorraçaram, é porque somos nós que garantimos os serviços mínimos.

o preço dos lotes no céu


Roberto Gamito

06.08.22

Homens, estamos a ficar fartos dos prazeres fáceis do mundo contemporâneo, a saber, pornografia e Instagram de mulheres cujos seios apetitosos (se os olhos comem, os dos homens estão sempre de pança cheia) nos levam a comentar a sua actividade virtual com frases descabidas do género: "tu inspiras-me", "és a luz da minha vida" e assim por diante até invocarmos toda uma literatura de cordel capaz de provocar rubor no mais Chagas de entre todos os Chagas. Como escrevia o outro estudioso, nada muda, as verdades actualizam-se e é preciso estar

— isto é um acrescento da minha lavra — de olhinho bem aberto para não comprarmos teorias usadas a preço de novas.

"És a luz da minha vida" é uma expressão degenerada e higiénica da frase "mandas grandes faróis". Embora grande parte dos teólogos discordem, "és a luz da minha vida" é pôr as mamas a ocupar o lugar de Deus. Nada a apontar, é um raciocínio ao qual não oferecerei resistência, até porque o raciocínio é meu. Um gajo anda no terreno e sabe como as coisas se processam. Se as mamas tornam os homens melhores então merecem o papel do Deus, de Jesus e dessa pandilha cujo intuito é salvar o homem. As mamas salvam. Estampem isso numa t-shirt.
É claro que, pegando no início no texto, carecemos de registos de que o homem possa ter dito na sua história algo como "estou farto de mamas, preciso de parar de olhar para elas, caso contrário vou acabar na desgraça." Nunca houve um homem saturado de mamas, ao ponto de até o feed do Instagram o deixar indiferente.

Antes de adentrar no raciocínio anterior, acho que não é totalmente descabido catapultar uma ideia. Criar um "mamómetro", um dispositivo que permitiria ao homem saber, no recato do seu lar, o grau dependência de que padece relativamente às mamas. Pois tal pode vir a ser problemático.
De momento não me preocupo com espécimes masculinos que teriam alcançado patamares de excelência se não tivessem perdido décadas inteiras a vistoriar tetas, não, esses ficarão para outro texto. Interessa-me, sim, os casos extremos, teóricos, uma vez que não conheço nenhum caso.

De Paracelso chega-nos a frase catita, a dose faz o veneno. Se assim é, há um nível a partir do qual as mamas se transformam em veneno (não veneno simbólico, isso já foi reportado pela poesia). Um veneno à séria. Então vamos lá atacar as mamas, salvo seja.
Imagino alguém a dar as últimas numa cama sob o olhar atento de um médico, o qual ignora o que está a acontecer ao seu doente, uma vez que a medicina está muito atrasada para se bater de igual para igual neste terreno pantanoso.
E eis que o morto-vivo declara: Senhor doutor, eu vi demasiadas mamas. Isso envenenou-me. Devia ter parado enquanto era tempo, agora é demasiado tarde. Sabe lá quantos telepatas eu enlouqueci. A minha vida gravitou em torno das tetas, esse foi, declaro sem medo, o meu sol.
No fundo, tornei-me no melhor olheiro de tetas do mundo. Podia ter ganho rios de dinheiro com isso, mas isto é como a droga, se uma pessoa principia a consumir está tudo estragado. Com efeito, sou um devoto das tetas.
Não é preciso ser nenhum Newton, respondeu o médico, para saber que você entrou no plano inclinado da desgraça e não há forma de impedir que vá parar ao outro mundo.
Quer dizer ou fazer alguma coisa antes de morrer, continuou o médico.

Pretendo deixar uma dica aos vindouros, o meu legado para os beneficiários de um antídoto que há-de vir. Cá vai.
Entram num sítio atafulhado de mulheres, arranjam, mal entrem, uma boa posição estratégica a fim de examinar o território, como um chefe de uma tribo ou um predador, e de seguida podem passar a noite a vistoriar fruta com um ar particularmente delicioso. E não me lixem, não estou a coisificar as mulheres. Fruta é fixe, faz bem, você é um profissional da saúde não me deixa mentir.
Mas isso já nós sabemos, retrucou o médico.
Então a minha vida não teve qualquer significado, finalizou o devoto das tetas, fechando os olhos.

O textinho acabou: estou saturado de mamas.
 

jack-dong-IOFxO4FV-QM-unsplash.jpg

 


Roberto Gamito

06.08.22

Incapaz de arquitectar uma crónica ardilosa que possa ser vindimada com gosto pelas pupilas dos vindouros, prenhe de altos e baixos frutíferos aptos a entusiasmar até o mais exigente leitor, criatura capaz de espremer o rouxinol com o fito de despertar o que se acoita nas reticências, resta-me — oxalá as forças não me deixem a patinar neste lago siberiano da escrita onde, círculo após círculo, engrandeço a minha prestação diante dos júris do ridículo — esfrangalhar a mão contra as rochas do quotidiano à espera que o sangue encapelado desse embate me ofereça umas míseras linhas. A vida, supondo que isto não é um sonho, ou um holograma ou uma história engendrada por um deus com pouco que fazer, é pródiga em enganos, fértil em escaramuças e, em havendo tempo para procurar, poiso predilecto de insignificantes pepitas, nomeadamente paixão, amor e banquetes de fazer brilhar o olho ao mais criterioso glutão. Em jeito de súmula, a vida acontece à revelia da nossa vontade.

O bêbedo olha para mim e eu retribuo o olhar e ficamos assim, sem deixas, como dois palermas sem guião. O que não abona muito em favor quer de um, quer de outro. No cume da minha ingenuidade, quase acreditara ter encontrado a nascente da inspiração. Equivoquei-me, é um bêbedo raro, daqueles que não partilham nem por nada as suas histórias e teorias. Assim sendo, lá terei de continuar sem o milho da inspiração terrena, enfim, sou tomado de incertezas quanto aos fados desta crónica. Prossigo, portanto, de mão vazia e a tremelicar.

À minha frente, com uma camisa cujas cores deviam dar prisão sem direito a julgamento, um homem que, se descontarmos os poucos cabelos, que se exibem na tola do animal como um tufo humilde num deserto, é careca. A criatura a que muitos chamam homem é acompanhado por uma mulher que dá ares de esposa, sei-o pela forma severa como repreende o marido, a eterna criança a necessitar de chibatada. A mulher — juro-vos não estar a inventar para fins de comédia — possui uma camisa igual à do marido. Não me perguntem como é que ainda não se criminalizou isso. Uma pessoa inocente, vítima insofismável, olha para esse cenário desconcertantemente garrido e apanha um trauma que o acompanhará até à cova. Até digo mais, sou dotado de um conhecimento enciclopédico no tocante ao gostinho que as mulheres têm em fazer com que os homens passem por parvos, como se fosse uma tarefa que exigisse grande esforço, daí que esteja em condições de afirmar, embora o negue se for confrontado por alguma feminista, que a mulher obrigou o homem a fazê-lo. Até acrescentaria: a mulher detesta a camisa. No fundo, o que a mulher está a declarar com este comportamento é: vejam, casei com um paspalho, consigo vesti-lo com a camisa mais ridícula de todas, mais, vestimo-nos como se fôssemos gémeos carrancudos e ele nem pia. Contemplem o poder da vagina! Um aviso claro às outras mulheres. Vejam, este espécime está totalmente domesticado. Ao depararem com este ser agrilhoado, as mulheres dirão aos maridos: estás como queres, mas isso vai mudar, não me casei contigo para andares aí como se fosses um animal selvagem. Anda comigo ao shopping, vamos comprar as camisas mais medonhas que encontrarmos. Vai-te fazer bem ao ego, murmura a mulher com um sorriso de orelha a orelha.

Mulher, domadora de homens

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