Roberto Gamito
18.12.20
Não aconselho a ninguém que interaja, seja de que forma for, gestos, palavrinhas meigas ou sorrisos, com os autóctones da taberna.
É gente com demasiadas histórias, faminta por caçar mais um par de orelhas ingénuo. Ao entrarmos num sítio destes, a simpatia, os bons modos, aquilo que nos torna humanos, isto é, os ademanes da civilização, devem ser deixados lá fora. Sair-nos-emos bem melhor se nos comportarmos como animais selvagens.
Caso contrário, ao abrirmos a boca para intervir numa conversa, mesmo que sejam modestos monossílabos, estamos perdidos. O habitante da taberna interpretará o gesto de cordialidade como “este tipo está interessadíssimo a ouvir-me, bem, vou contar a mesma lengalenga durante 3 horas que é para ver se ele arrebita”.
Em que momento da História do Homem esta actividade azucrinante começou a ser uma tradição? Provavelmente encontraríamos as suas raízes com a descoberta do fogo. Mal o fogo foi domado e o Homem se reuniu à sua volta, os chatos começaram a prosperar exponencialmente. Hoje é o que se vê, estão espalhados por todo o mundo, a espécie bípede mais bem adaptada de todos os tempos. O autóctone da taberna é apenas um herdeiro muito afastado desse chato primevo. Devemos agir cautelosamente sob pena de perdemos a vontade de viver.
Vejo poucos antropólogos a discorrer sobre o grande malefício do fogo: as conversas entediantes. Há vários milénios, o fogo era o centro de tudo. Aquecíamo-nos, mas em contrapartida tínhamos de levar com as histórias do chato. O chato: “nem sabes o que me aconteceu. Há dias apanhei umas bagas”. Já ouvi essa história, retruca o inocente. Convém frisar que este tipo de interação persiste até hoje. Não é pelo facto de retrucarmos simpaticamente que o chato se está a repetir que o chato deixa de ser chato. Possivelmente foi também à volta do fogo, com a cabeça a mil a tentar arranjar estratagemas a fim de se escapulir ao chato, que o Homem pensou pela primeira no suicídio.
Mas deixemos de açoitar o chato, ele tem, em princípio, o direito à vida.
Quando ingressamos na taberna, sabemos que a multa sairá cara quando os empregados da mesma têm a mesma farda, pior ainda se imaculada.
Segundo estudos medianamente sérios levados a cabo por mim, quanto mais aprumados estão os empregados, mais a comida será uma porcaria. Se querem comer uma bifana em condições, o taberneiro precisa de estar com aspecto de quem interrompeu uma cena de pancadaria só para vos servir.
Fala-se muito de educação, ou da falta dela, mas quanto a mim prefiro ser insultado se o resultado for comer uma suculenta bifana e uma imperial bem tirada. De que me serve ser recebido com um bom dia e um sorriso se depois fico desiludido com o petisco? Ainda não comemos simpatia. Aliás, o tratamento insultuoso só demonstra que o taberneiro está tão confiante no seu petisco que se pode dar ao luxo de nos chamar filho da puta. E nós acatamos, sabemos que daí vai sair uma memorável experiência gastronómica.