O comércio do boato anda meio paradinho. Em virtude da pandemia, essa sacana incansável e cheia de truques que nos enredou numa inédita teia de hábitos, fez com que as velhotas — sobretudo as velhotas —, eternas estafetas mancas da mensagem magnificada pela patranha, não se sentissem seguras no exercício da sua nobre função de disseminar fake news regionais. Se fizermos um inventário às pastelarias e mercearias do bairro, percebemos que a velha, outrora o animal mais comum nesse habitat, é poucas vezes avistada, mormente de fugida, afirma o biólogo. A covid-19 transformou a velha regateira — perdoem-me a redundância, mas quero legar margem aos vindouros para espécies de velhotas que possam vir a ser catalogadas num futuro distante —, um bicho maravilhosamente social, amigo do diálogo e do monólogo, delta de todos os rios de histórias, num bicho esquivo. Não quero iniciar uma demanda humorística à volta das consequências profundas que o afastamento da velha provoca na sociedade. Provavelmente, nas cidades, sítios povoados por rezingões de todas idades, territórios onde o bacalhau e o beijinho nunca singraram, o afastamento da velha não surtiu o efeito que tanto me encanita.
Na vila, as velhas são rodinhas e roldanas indispensáveis para o satisfatório funcionamento da maquinaria social. A vila fervilha de histórias e zaragatas graças à velha mexeriqueira. Sem ela, a vila morre. No início era o mexerico. António Costa está ao corrente da importância do mexericar da velha e deixou, sabiamente, as igrejas abertas para que a prática da missa ocorra sem entraves. Talvez o leigo no tocante ao estudo da velhota não saiba, mas a velhota crente, que é a facção mais populosa de velhas, (a proximidade da morte é óptima a converter incréus) entende a missa como um ninho de intrigas. No meio daquele cochicho macerado, a Ave Maria partilha as mesmas ondas sonoras com os segredos mais macabros que a velhota foi colhendo ao longo da sua vida. Em jeito de síntese, na missa o boato prospera. Deus queira que sim.
Em princípio, estou imune a essa máfia do mexerico. Vivo orgulhosamente só, só abro a boca para deixas maquinais, a saber: bom dia, obrigado e até amanhã. Prescindo dos afectos que o diálogo com a velha possa eventualmente trazer. Sou, como se costuma dizer, um bicho do mato.
Parece mentira, mas noventa e nove por cento das pessoas que analisei apresentava-se vulnerável diante da velha, velha essa desejosa de lhe vampirizar as entranhas. É sempre a mesma cantiga. O outro confia-lhe as suas tristezas. As suas angústias nunca antes verbalizadas. Os seus fracassos amorosos. A sua turbulência económica. A velha recebe isso tudo como se fosse uma carpideira, despede-se e, no momento seguinte, qual aedo treinado para a desgraça, poetiza as desgraças do Homem numa epopeia de esquina, fazendo com que a criatura pareça ainda mais desgraçada do que é na realidade. Percebo, a velha é a mãe do espectáculo. É preciso exagerar para manter a audiência interessada.